O Mercury News anuncia as bilheterias que abrem na Califórnia nesta semana. A partir de sexta, estão à venda os ingressos para o show do Deep Purple de 25 de junho na cidade de Concord.
Quem vai abrir? Joe Satriani, que fez a guitarra do Purple entre a saída do Blackmore, em 1993, e a chegada do Steve Morse, em 1994.
A banda deu ao Satch as gravações oficiais dos últimos shows com o Blackmore pra ele tirar as partes de guitarra. Consta que ele perguntou: "ué, tem uns pedações aqui em que não se ouve a guitarra; não tem guitarra neles?" A resposta: até tem, mas o Blackmore estava ocupado procurando um copo d'água pra jogar no câmera.
OK. Chega o ensaio. Eles passam as músicas todas e chega Smoke on the Water. Alguém da banda fala: "bom, essa nem precisa ensaiar, né?" O Satriani insiste pra ensaiar. Logo antes do primeiro acorde, ele abre um sorriso e diz: "uau, nunca imaginei que um dia eu fosse tocar Smoke on the Water com o Deep Purple". E como ele se saiu? Fabulosamente bem.
Aqui, ele toca Black Night no Japão, num dos primeiros shows logo depois da saída do Blackmore, em 93:
A única gravação oficial disponível dessa fase, por conta de divergências de gravadoras, é um vídeo amador que saiu no DVD de "Gillan's Inn".
Mas a amizade ficou. Desde então, sempre que coincide uma data o homem que compôs "Summer Song" sobe ao palco dos mestres. Como em 2004, também na Califórnia:
Desde já estou curioso pra ver as gravações do show. Até porque hoje em dia as câmeras disponíveis no bolso de cada um são BEM melhores e portáteis que as disponíveis em 1994 e 2004.
(Detalhe econômico: Os ingressos para este show do Deep Purple aberto pelo Satriani na Califórnia custam de US$ 17 a US$ 95 - ao câmbio de hoje, o mais caro sai menos de R$ 150 e o mais barato pouco mais de R$ 25. Um abraço pra você que, como eu, paga R$ 200 na inteira pra tomar chuva no Anhembi no show do Ozzy. Renda per capita de Concord? US$ 24.727. Renda per capita de São Paulo? Menos da metade.)
Em 20 de abril de 1968, uma banda inglesa nova chamada Roundabout foi tocar um cover dos Beatles num programa de TV dinamarquês. Na última hora, avisaram a produção de que o nome tinha mudado: a partir dali, seria Deep Purple. Desde então, eles foram e voltaram e mudaram nove vezes a formação e fizeram 2.014 shows - dos quais 49 foram no Brasil.
Vida longa e próspera aos mestres. Abaixo, alguns vídeos - vários deles bem raros - pra relembrar os grandes momentos da nossa banda favorita, quase ano a ano.
1968 (Mk1) - KENTUCKY WOMAN, ao vivo em Los Angeles. A qualidade do vídeo é uma bosta - a fita se deteriorou muito ao longo dos anos -, mas é um dos poucos registros da Mk1 ao vivo tocando algo além de Hush.
1968 (Mk1) - AND THE ADDRESS, ao vivo na Mansão Playboy Todo mundo quase só conhece o vídeo de Hush. Mas eles também tocaram na abertura do programa. Destaque para Hugh Hefner ainda antes da mania do robe de chambre. Olhe para o Rod Evans e cante: "VAI LACRAIA, VAI LACRAIA"!
1969 (Mk2) - WRING THAT NECK, ao vivo no Bilzen Jazz Festival. Raridade das boas. Aqui, eles estão no auge da improvisação.
1970 (Mk2) - MANDRAKE ROOT, ao vivo no South Bank Summer Festival Mais uma vez, uma improvisação de cair o queixo.
1971 (Mk2) - DEMON'S EYE, ao vivo em Berlim Este é o mais antigo vídeo que mostra o duelo entre Gillan e Blackmore que se tornaria famoso em Strange Kind of Woman.
1972 (Mk2) - CHILD IN TIME, ao vivo em Copenhagen Vocês já conhecem esta versão. Mas eu não podia deixar passar sem Child in Time.
1973 (Mk2) - SMOKE ON THE WATER, ao vivo na Universidade de Hofstra, nos EUA Único registro conhecido em vídeo da verdadeira Mk2 da Era de Prata Amigos tocando a música que se tornou a mais famosa do grupo.
1974 (Mk3) - BLACKMORE DETONA O PALCO, no California Jam Vocês também conhecem isto aqui.
1975 (Mk4) - YOU KEEP ON MOVING, ao vivo no Budokan, no Japão Hughes e Coverdale fazendo dueto. É de arrepiar os pêlos do braço.
Terminada a Mk4, terminou o Deep Purple. Eles ficaram oito anos parados e voltaram em 1984. No segundo show, tiveram um convidado ilustre.
1984 (Mk2a) - LUCILLE, ao vivo na Austrália com George Harrison Filmado atrás do palco.
1985 (Mk2a) - GYPSY'S KISS, ao vivo no Rockpalast Eles não tocam mais essas músicas.
1987 (Mk2a) - HARD LOVIN'WOMAN, ao vivo em Viena Eles não tocam mais essas músicas.
1988 (Mk2a) - HUSH, ao vivo em Copenhagen É a versão regravada em estúdio no disco Nobody's Perfect.
1991 (Mk5) - THE CUT RUNS DEEP, ao vivo em São Paulo Era a primeira vez em que o Deep Purple vinha ao Brasil. Com Joe Lynn Turner. Uma das melhores faixas de Slaves & Masters. Destaques: Turner errando sua própria letra (sem falar na de Hush), Blackmore e Glover rebolando de costas um para o outro e o tango do Turner com o Glover. Paice arrebenta na bateria e Lord destroça o teclado.
1993 (Mk2b) - THE BATTLE RAGES ON, ao vivo em Birmingham É o famoso show de Come Hell or High Water.
1994 (Mk6) - WHEN A BLIND MAN CRIES, ao vivo em Saarbrucken Ritchie Blackmore se recusava a tocar essa música, gravada nas sessões do Machine Head. Desde 1991, porém, o Gillan já a tinha colocado em seu setlist solo. Quando Blackmore saiu e Satriani entrou, a música veio junto.
1995 (Mk7) - BLACK NIGHT, ao vivo em Bombaim, na Índia Um dos mais antigos shows conhecidos em vídeo com Steve Morse. Ainda era mais ou menos o mesmo setlist do Satriani, que era mais ou menos o mesmo setlist do Blackmore.
1996 (Mk7) - THE AVIATOR, ao vivo em Chicago, nos EUA Esta faixa do disco Purpendicular, feita em homenagem a Steve Morse, que além de guitarrista é piloto de aviões, infelizmente sumiu dos setlists. Repare que o Gillan está sentado na borda do palco, do lado da galera, e ninguém sequer toca nele. Se fosse no Brasil, ele teria saído sem roupa.
1997 (Mk7) - CASCADES (I'M NOT YOUR LOVER NOW), ao vivo em São Paulo A segunda vinda do Deep Purple ao Brasil foi emocionante. Foi a primeira do Purple com o Gillan por estas terras. E foi quando eu aprendi a confiar no Steve Morse. Outra bela faixa que sumiu dos setlists.
1998 (Mk7) - FINGERS TO THE BONE, ao vivo em Sófia, na Bulgária Hoje em dia, nenhuma música do Abandon sobrevive no setlist. Mas vejam que preciosidade esta.
1999 (Mk7) - WATCHING THE SKY, com a Orquestra Sinfônica de Londres Esta é uma das minhas músicas favoritas do Abandon. No tratamento da orquestra, ficou genial.
2000 (Mk7) - FOOLS, ao vivo na Transilvânia Levou quase 30 anos para o Deep Purple incluir esta gloriosa faixa de Fireball em seu setlist.
2001 (Mk7) - NESSUN DORMA, com Luciano Pavarotti, em Módena (Itália) Pavarotti dizia que os melhores tenores do mundo têm algum receio em cantar essa música. Ian Gillan não apenas mergulhou nela como também traduziu a letra.
2002 (Mk8) - CHILD IN TIME, ao vivo na Rússia Em janeiro, a Mk7 fez metade de sua última turnê, na Inglaterra. Seria a despedida de Jon Lord, embora eles demorassem a confirmar. Para comemorar, Child in Time foi incluída no setlist, mas Ian Gillan caiu doente depois de poucos dias de shows. No recesso, Jon Lord confirmou que sairia da banda. Ao voltar, eles iriam à Rússia - mas com Don Airey, substituto do TOMATO. Foi nessa fase que começou este blog. Naquelas terras geladas, onde Child in Time tem um significado especial, Ian Gillan topou cantar a música pelas últimas vezes. Esta é uma delas.
2003 (Mk8) - HOUSE OF PAIN, no Casseta e Planeta O Deep Purple ficou pop quando veio ao Brasil daquela vez, na turnê de Bananas. Eu queria ter achado o vídeo de Fucker & Sucker, mas não achei. Fica pra próxima. De qualquer forma, eles estão ali no meio da fuzarca toda.
2004 (Mk8) - BLACK NIGHT, ao vivo na Califórnia No palco, dois dos grandes guitarristas que já passaram pelo Deep Purple: Steve Morse e Joe Satriani.
2005 (Mk8) - I'VE GOT YOUR NUMBER, ao vivo em Londres O que eu acho genial nesse show é que o palco do Hard Rock Café londrino não é muito maior que o do Café Piu-Piu paulistano. A música é do Bananas, mas a turnê já é do Rapture of the Deep.
2006 (Mk8) - HIGHWAY STAR, ao vivo em São Paulo Nesse show, um imbecil mijou na minha perna.
2007 (Mk8) - PICTURES OF HOME, ao vivo em Glasgow, na Escócia Salvo engano, aqui eles estavam tocando todo o Machine Head.
2008 (Mk8) - SMOKE ON THE WATER, ao vivo no Kremlin, na Rússia O show mais polêmico do ano do quarentenário da banda.
O Deep Purple já visitou 71 países ao longo de sua carreira.
Nos dez anos com Steve Morse, a banda visitou 68 deles. A nova fase do Deep Purple desbravou 36 países onde o Deep Purple nunca havia pisado antes.
Nos 17 anos com Blackmore, foram 30 países. Com a Mk1, ele visitou apenas 6 países.
David Coverdale conheceu com o Deep Purple 18 países. Eles incluem a Iugoslávia (Belgrado e Zagreb, em março de 1975) e uma tentativa frustrada de ir a Hong Kong, em dezembro do mesmo ano. Três meses depois do show cancelado, acabaria o Deep Purple.
Joe Lynn Turner foi a 20 países. Eles incluem dois shows em Israel, onde o Deep Purple nunca tinha ido e aonde nunca mais voltou. Foram os últimos shows da banda antes da volta do Gillan.
Hoje em dia, o Deep Purple faz em média a mesma quantidade de shows que fazia no auge dos vinte e poucos anos dos mestres. É possível ver exatamente em que fase eles andavam apenas pela quantidade de shows dos anos mais movimentados:
1) 1972 - 123 apresentações (lançamento do Machine Head, primeira turnê no Japão, auge do sucesso da banda) 2) 1970 - 119 apresentações (lançamento do In Rock, Deep Purple toda hora na BBC, matando a pau) 3) 1996 - 116 apresentações (entrada do Steve Morse, lançamento do Purpendicular) 4) 1969 - 112 apresentações (duas formações, entrada do Ian Gillan e do Roger Glover, Concerto...) 5) 2004 - 110 apresentações (turnê de Bananas)
Até o final do ano, 2006 deve ultrapassar a quantidade de apresentações de 2004. Lembre que esses dados são até o dia 14 de novembro.
Ao final da turnê do Deep Purple no Brasil, dia 3, o Bananão passará a ser o nono país onde o Deep Purple mais tocou em toda sua carreira, com 45 shows - empatado com o Canadá. Na ordem:
USA - 542 UK - 334 Germany - 234 France - 65 Italy - 63 Japan - 61 Australia - 57 Canada - 45 Sweden - 41
17 países viram o Deep Purple uma só vez. Isso inclui a Província Cisplatina, o Peru, a Romênia, a Bolívia e Belarus.
O nome mais comum de lugares onde o Deep Purple tocou em toda sua existência é Stadthalle. Por 26 vezes, estádios assim chamados em cidades alemãs abrigaram os mestres. Logo em seguida vêm os lugares chamados "Coliseum" e "Entertainment Centre" - 19 vezes. Nas "House of Blues", o Deep Purple tocou 13 vezes.
Há nove shows em lugares chamados Olympia - do lendário clube parisiense à extinta casa de shows de São Paulo. Se somarmos os "Olympiahalle", são 18.
Aos 15, 16 anos, meu ídolo absoluto era um certo Richard Hugh Blackmore. Eu estava começando a tocar guitarra, e pra mim nada superava a possibilidade de extrair dos meus dedos um som parecido com o que ele tirava. Acabei desviando de carreira, deixei de aprender a tocar guitarra e hoje em dia só o que eu tenho em casa é um violão fabricado com trabalho escravo na China. O mais barato que achei.
Hoje, passeando pela Teodoro Sampaio, entrei na Matic e brinquei um pouco com uma Fender cor de creme (R$ 3.200) plugada num amplificador Marshall valvulado. Basicamente, brinquei com algumas introduções, como Burn, Mandrake Root, Lay Down Stay Down, Lazy e Strange Kind of Woman. Estou caminhando nas nuvens - pela primeira vez na vida, senti que tocava Deep Purple direito. Ficou igualzinho, pela primeira vez na minha vida, saído diretamente dos meus dedos. Nada substitui essa sensação. Absolutamente nada. Eu me senti realizando o sonho dos meus 15 anos.
Em homenagem a isso, vamos ver em ação cada um dos guitarristas que o Deep Purple já teve em toda sua história. Começando por...
1) O homem de camisa de seda azul, ainda com uma Gibson, tocando Hush no Playboy Late Night Club, em 1968:
Em entrevista à BBC, Satriani fala sobre seu período no Deep Purple:
Foi difícil, porque todo guitarrista é na verdade muito idiossincrático nessas horas, e embora eu estivesse substituindo o Ritchie Blackmore, meu cérebro dizia: "Peraí, ninguém substitui Ritchie Blackmore!" Eu olhava pra platéia e via os rostos deles, completamente fascinados com a banda, e percebi que eu na verdade era quase como um deles. Eu olhava ao redor do palco e pensava: "meu deus, é o Deep Purple!"
Tinha algumas músicas que o Ritchie tinha preparado tão bem que era um caso de me perguntar por que tocar outra coisa. Mas, com o apoio de fitas ao vivo que a banda me deu, percebi que em outras músicas o Ritchie mudava sua parte tão dramaticamente de noite pra noite que até ele estava procurando a melhor forma de interpretá-las. Por isso, tomei a licença artística de modernizar o material, especialmente o material novo que a banda mal tinha tocado ao vivo. Eles gostaram da minha abordagem, e foram uma banda ótima de trabalhar.
Musicalmente, foi muito satisfatório. O setlist vinha direto do paraíso do classic rock. E a banda era genial. Seu timing era fantástico. Seu tom era fabuloso. Eu não cabia em mim.
Eles me pediram pra entrar na banda, mas eu precisava mesmo pensar. Eu ainda devia gravar discos em meu contrato da época, e seria difícil largar disso e me tornar parte da banda. E, embora eu odeie dizer isso, tinha uma coisa na banda que sempre me bateu como britânica. Eu me sentia um ítalo-americano pegando carona. Então, quando eu somei tudo, embora fosse muito legal, não parecia certo pra mim. Achei que eles precisavam achar alguém que estivesse mesmo a fim de se tornar um membro permanente. Como se viu, eles acabaram chamando um americano (Steve Morse), o que foi ótimo.
Na biografia do Ian Gillan, o mestre lembra do primeiro ensaio do Satriani com o Deep Purple. Ensaiam tudo e no final chega a vez de Smoke on the Water.
-- Você não precisa ensaiar essa música, né, Joe?
-- Como assim? Vamos ensaiar, sim. Cara, quase não acredito que vou tocar Smoke on the Water com o Deep Purple.