Quando eu tinha 13 anos, minha mãe tinha acabado de comprar um toca-discos novo. Eu queria testar, mas sequer sabia o que eu gostava em música.
Era o dia da "formatura" da minha turma da oitava série. As professoras nos homenagearam com um banquete de salgadinhos com um coquetel de vinho com frutas e refrigerante. Acho que chamavam de "bole", mas já vi chamarem de sangria. Pra nós, as mestras disseram que não havia álcool. (Eu notei que havia porque uma professora com problemas de saúde perguntou pra uma colega, que respondeu no ouvido, e só bebeu água.) Saí alegrinho. Nunca atravessei a Cristóvão Colombo tão feliz.
Achei na estante uns discos empoeirados e com a capa comida pelos cupins. Pertenceram à minha prima, mais velha, que morou lá em casa por um tempo uns anos antes. Eram "A Night at the Opera", do Queen; "Abraxas", do Santana; "Saracura", do Saracura; e "Stormbringer", do Deep Purple.
Peguei primeiro o disco que tinha o Pégaso na capa. Puxei pra fora.
O lado A estava mais ou menos comido pelos cupins, então preferi o lado B.
Quando coloquei a agulha em Lady Double Dealer, aquela bateria já me chamou a atenção. O riff, mais ainda. Os duetos me vidraram. Mas o solo de guitarra me jogou ao chão, com espasmos semelhantes aos do Lacraia, tocando guitarra no ar.
- Get outta my way! I'm getting tired of you!
There ain't no chance! Doing what you wanna do!
I've been down, down, down, down, down!
Got to get my feel back on the ground!
Passei as férias ouvindo aquele disco. No começo do segundo grau, eu ia caminhando pra escola cantando o Stormbringer inteiro. Antes disso, eu fazia pequenos serviços bancários para minha tia, que me dava uns trocos pra comprar gibi, e ia cantando o tempo todo. Adorava isso. E dava especial atenção pra Lady Double Dealer. Só comprei o Made in Europe porque tinha essa música ao vivo. (Depois atualizei com o The Final Concerts.)
- Lady Double Dealer
Get outta my way!
Lady Double Dealer
You got nothing to say!
Logo comecei a trabalhar e a comprar meus discos. Comecei com a fase do Coverdale (Burn), comprei o disco então atual (Slaves & Masters) depois descobri os sebos de Porto Alegre. Descobri a fase do Gillan, descobri os discos do Purple ao vivo, comprei um pôster que ficou 15 anos lá na casa da mãe e hoje adorna o quarto do Abdalla, achei umas revistas-pôster antigas da Somtrês, babei pelo photobook, completei a coleção.
- I ain't satisfied dealin' with second hand goods
You wanted somethin' for nothin', taking everything you could
You been round - oh - I got the news
But you ain't waitin' round for me to lose
De qualquer forma, eu estava perdido pra sempre. Foi naquele dia, alegrinho de sangria, deitado no chão da sala tocando guitarra no ar ao som de Lady Double Dealer, que eu descobri o que me agrada em música.
- Lady Double Dealer
get outta my way!
Lady Double Dealer
you got nothing to say!"
Ontem, o Abdalla - que só não é meu irmão de sangue porque se fosse não tinha graça - me chamou pra cantar os duetos de Lady Double Dealer com ele.
- I gave love to you
did what you wanted me to
but all you did was bring me down
so I just had to try
try the reason why
you took advantage of my loooooooooove!!!!"
Nunca ensaiamos, mas eu ensaio pra isso desde a adolescência. Subi ao palco do Blackmore, ao lado do André Carvalho e do Márcio Porto, segurando o microfone e olhando pro Abdalla, e mandei ver.
- Two timin' woman, trying to take me for a ride
You are a hard lover, honey, but you sure don't keep me satisfied
I wanna be there, to try to make you see
There ain't no woman gonna make a fool outta me>
Depois de 17 anos, eu me senti de novo um moleque cheio de espinhas.
- Get outta my way!
Get outta my way!
Get outta my way!
Get outta my way!
Agora, se cantei direito ou não é outra história bem diferente...