terça-feira, 11 de outubro de 2011

Deep Purple e a arte de viver

Fui ontem ao show do Deep Purple em São Paulo. Pela primeira vez em nove anos, fui com minha mulher. Embora não seja fã, ela conhece o repertório; afinal, são nove anos me ouvindo ouvi-los. O que ela não conhecia era o efeito que os meus mestres têm no palco. Ela saiu do show, que achou excelente, me entendendo melhor. E, por conta da presença dela, eu acabei curtindo mais as coisas em que eu não costumo prestar atenção.

Em todas as resenhas de shows do Deep Purple que eu escrevi neste blog desde 2003, procurei comentar a performance dos mestres em cada uma das músicas que eles tocaram, na ordem certinha. Desta vez, não farei isto.

Em primeiro lugar porque eu fiz questão de não anotar nada. Não queria que nada, exceto talvez algumas cabeças, estivesse entre meus olhos e o palco.

Em segundo lugar porque neste ano eu fiz questão de não olhar as resenhas dos shows anteriores, não olhar o setlist. Veja: a maior parte das escolhas, e boa parte da ordem das músicas, é possível de prever. O que foge disso é surpresa, e eu queria a surpresa. Queria assistir a um show do Deep Purple curtindo muito mais do que analisando.

Eu queria ser surpreendido. E fui, várias vezes. Entre elas:

* uma música velha - "Hard Loving Man", incrivelmente fiel a todos os solos originais;
* uma vocalização nova - "No One Came", com Ian Gillan praticamente declamando a insegurança de um músico início da carreira
* uma sombra na parede - a de Steve Morse, embaixo do telão que mostrava ele solando
* uma brincadeira de duelo entre Ian Gillan e Steve Morse, com os dois se divertindo demais
* a pachorra do Ian Paice fazendo um solo poderoso de bateria com o rosto apoiado sobre uma das mãos na hora de solar, como quem diz "ah, coisa mais fácil"


Os shows do Deep Purple são calculadamente feitos para atender a todos.

São para a minha mulher, que como a maioria dos presentes lá conhece bem as cinco músicas deles que tocam na Kiss - embora também conheça por alto o que eu ouço em casa.

São para o gurizinho de nove anos que montava na garupa do pai meio metro à minha esquerda e vibrava a cada solo com a mãozinha fazendo gestos de chifrinho.

São para o quase cinquentão gente fina com quem conversei na fila, que estava lá por gostar de música boa, não por ser especialista em Deep Purple. Quarta-feira, ele estará no Eric Clapton.

E também são pra mim, que já vi e ouvi vários shows, de todas as épocas, ao vivo e em DVD e em bootleg, e voltei aos 15 anos de idade ao ouvir "Hard Loving Man".

A única música que eu não cantei junto foi Smoke on the Water. Porque na hora eu estava dividido entre olhar para o palco e olhar para o público à minha volta, descobrindo uma grande verdade sobre a vida.

O Deep Purple faz 70 shows ao ano e essa é a única música que eles não podem deixar de tocar - porque senão o público sai decepcionado.

Ontem, Ian Paice já havia tocado essa música 1899 vezes em shows do Purple, desde primeiro de março de 1972. Roger Glover, 1738 vezes. Ian Gillan, 1681 vezes. Steve Morse, 1239 vezes. Don Airey, 822 vezes. E eles sempre, SEMPRE, tocam com um sorriso no rosto, um gás danado. Questionado se ele não enjoava, certa vez Roger Glover respondeu com outra pergunta: se você pudesse apertar um botão que fizesse milhares de pessoas felizes na hora, cansaria de apertar?

O tesão do Deep Purple em tocar Smoke on the Water toda noite é "o encanto do cotidiano", como escreveu o psicólogo Contardo Calligaris em sua coluna da Folha de semana passada. Leia o texto inteiro.

Isso é saber viver.

Um show, enfim, pode ensinar lições de vida a quem está atento. Esqueça máscaras, explosões, palcos faraônicos e outras firulas. Cinco tiozinhos fazendo o que sabem e o que gostam. Só isso? Não. TUDO isso.

8 comentários:

  1. Marcelo, bacana esse novo angulo que vc deu ao texto. A resposta do Glover realmente faz pensar.

    Apesar de o Deep Purple ser carne de vaca aqui no Brasil, nao tem como nao ve-los com simpatia, pois alem das musicas q nao podem faltar, eles sempre trazem alguma boa surpresa no repertorio.

    Gostei de saber q eles tocaram 'Knockin At Your Backdoor'

    abs
    Diogo

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  2. lucas hc12:38 PM

    Por falar em show do Deep Purple, já tem no YouTube uma amostra do show em Montreux que sairá em DVD. Este vídeo passou na TV francesa (destaque para o solo de Airey em Hard Lovin' Man e para a orquestra no início de Perfect Strangers):

    http://www.youtube.com/watch?v=kdroBYZvNVU

    Me diga o que achou,

    lucas hc

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  3. Estava lá ontem e assino embaixo. E digo mais, fui porque gosto de música e amo demais o rock old school pra deixar de comparecer a um show desses, embora confesse que nunca tenha sido fã do Deep Purple como sou do Led Zeppelin, por exemplo. Até ontem. Desde ontem eu me considero uma fã. Porque enquanto todo mundo ao meu redor ria, eu às vezes tinha vontade de chorar emocionada...e isso só por ver que sim, é possível ainda se fazer um show de rock (SHOW, ROCK) sem efeitos, explosões, aranhas e naves espaciais. É possível fazer com que setentões e pré-adolescentes vibrem na mesma sintonia e cantem a mesma canção. E é possível ver que o bom e velho roquenrrol, apesar de dinossáurico, continua unindo e inebriando multidões.

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  4. Arruda2:32 PM

    Falou tudo Marcelo,
    Fui nos shows da banda em todas as passagens por São Paulo desde 2006 para cá.
    Dessa vez consegui um lugar na grade, quase no centro do palco, graças a insistência de minha filha de 16 anos.
    O que posso dizer é que nunca ví uma reação do público tão entusiasmada. Após a abertura deu para notar claramente o Gillan
    "comemorando" a plateia com o Morse como se dissesse: "hoje vai pegar fogo!"
    Tenho certeza que os mestres curtiram tanto o show quanto nós fãs, pela forma, também entusiasmada, que se cumprimentaram antes de deixar o palco.

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  5. Idêntico ao que fiz no último show do Purple no Credicard Hall... Levei minha mulher. Assino em baixo. Este ano tentei levar meu filho Pedro de 15. Não deu. a grana tá curtíssima em casa. Mas tudo bem. Ainda vou conseguir levá-lo no melhor show que alguém pode assistir. Outra: parabéns pelo texto, só o Purple para nos brindar a alma desta maneira. Abraço, Marcos.

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  6. Foi bom ouvir os comentários, pois concordei com todos e pela coincidencia q tbm levei a mulher p ver o show e pela primeira vez, assisti ao show em uma arquibancada, tranquilo e adorando ver a reação da platéia. Sou do Rio, mas como não passaram por lá, fui assistir em Belo Horizonte. P minha surpresa em um lugar pequeno (2 mil pessoas) e vi um Deep Purple adorando cada minuto esse fato. Lembrou o show deles no Hard Rock Café...

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  7. Foi bom ouvir os comentários, pois concordei com todos e pela coincidencia q tbm levei a mulher p ver o show e pela primeira vez, assisti ao show em uma arquibancada, tranquilo e adorando ver a reação da platéia. Sou do Rio, mas como não passaram por lá, fui assistir em Belo Horizonte. P minha surpresa em um lugar pequeno (2 mil pessoas) e vi um Deep Purple adorando cada minuto esse fato. Lembrou o show deles no Hard Rock Café...

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  8. É isso aí Marcelão!Em tempos em que a musica é deixada a segundo plano e o publico fica mais preocupado com o raio laser,as explosões,as luzes,a troca de figurino do artista,os dançarinos e todo o resto.Ver e Ouvir 5 tiozinhos fazerem o que as novas bandas de rock(e o publico)esqueceram faz tempo, é saber se divertir!

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