quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Um conto de Natal

 Nesta noite, sonhei que estava dando bronca no Ian Gillan. Bronca mesmo, dessas de o mestre fazer cara de cachorro com a cauda entre as pernas.

"Porra, Ian. Eu sei que não tem mais jeito de você tocar com o Blackmore. Pena, eu queria ter visto pessoalmente vocês dois tocando juntos, mas entendo que o cara é difícil. Você também não é fácil. Só que eu acho que você devia retribuir o favor a ele", eu disse. "Sabe como é, Natal."

Perto da véspera do Natal de 1978, Ian Gillan já estava fora do Deep Purple havia cinco anos, e a banda estava acabada havia dois. Era tarde da noite e o cantor estava em casa se abrigando da neve que caía lá fora quando ouviu batidos na porta.

"Lá, de pé, a uns dois ou três passos, estava o guitarrista com seu chapéu bobo de peregrino", escreveu Gillan em sua biografia.

-- O que você quer? - perguntou Gillan.

-- Estou procurando um cantor - respondeu Blackmore.

Após o convite para entrar, Blackmore perguntou se podia levar a então patroa Amy Rothman pra participar da visita. Claro que podia. A preocupação de Blackmore era evitar que a mulher estivesse por perto caso Gillan ficasse agressivo. Que nada: segundo uma entrevista de Blackmore, Gillan repetia: "Rich, estou tão feliz. Tô alegre pra caralho de você estar aqui."

Seguiu-se uma conversa agradável. Os dois secaram uma garrafa de vodca e tentaram contratar um ao outro para suas respectivas bandas. Estavam os dois fazendo mudanças no Rainbow e na Ian Gillan Band, enfim.

A Ian Gillan Band era uma banda diferente. Tocava uma espécie de jazz-rock, muito elaborada, e fazia o circuito das universidades inglesas. Estava feliz sendo pequeno. Tocava o que queria, para quem quisesse ouvir. Dificilmente dava muita gente, mas azar. Já Blackmore queria o contrário: ele queria diversão e bolo, queria tudo e mais um pouco, como cantava o Nei Lisboa. Queria juntar a direção pop do Rainbow com o peso do nome do ex-colega. Glover já estava a bordo.

Quando viram que não poderiam contratar um ao outro, Blackmore deu o presente de Natal de Ian Gillan. Foi um conselho:

"Ian, você está fazendo tudo errado. Devia estar tocando era nos grandes estádios."

Blackmore topou dar uma canja num show do Gillan, no Marquee. Lucille, Woman From Tokyo e - salvo engano - Smoke on the Water. Não há vídeo, mas há áudio:




A banda do Gillan estava mudando, assumindo um som mais pesado e inclusive cortando duas palavras do seu nome. Poucos meses depois, entrariam a bordo o guitarrista Bernie Tormé e o baterista Mick Underwood - aliás, ex-colega de Gillan no Episode Six e o sujeito que falou de Gillan para o Blackmore uma década antes.

Desde o primeiro disco dessa formação, "Mr. Universe", a banda foi com fome ao pomar e quebrou tudo. De todas as bandas de ex-membros que surgiram após o final do Deep Purple, foi certamente uma das mais interessantes. Seguindo o conselho de Blackmore, eles foram com sede aos grandes estádios.


Troquei mensagens de final de ano hoje com Tormé e Underwood, no Facebook. Os dois têm excelentes lembranças das turnês da banda, especialmente dos festivais de Reading.

A banda acabou sendo desmanchada por causa da volta iminente de Gillan para o Deep Purple, lá por 1982. Mais ou menos por essa época, chegou a haver reuniões pra tentar bater o martelo na volta do Purple. Demoraria ainda mais um pouco, mas resta uma foto da segunda canja de Blackmore com a banda do Gillan:


Gillan foi fazer uma cirurgia nas cordas vocais, e ao se recuperar foi passar uns meses no Black Sabbath pra depois pular para a volta do Deep Purple. Isso, somado a problemas com grana, fez com que os músicos da Gillan nutrissem uma raiva do ex-chefe pelas três décadas seguintes.

Meu desejo de Natal é que Gillan fosse retribuir o favor a Blackmore. Batesse na porta do castelo dele, sei lá, pegasse um copo e dissesse:

"Ritchie, você está fazendo tudo errado. Devia estar tocando era nos grandes estádios."

Não precisa nem se vestir de figurante do Senhor dos Anéis pra dar canja na banda do ex-colega. Não precisa nem convidar pra tocar junto - não deu certo da segunda vez, não deu certo ainda mais rápido da terceira vez, dificilmente daria certo uma quarta vez.

Mas será uma pena se dois dos músicos que eu mais admiro no mundo - dois músicos tão marcantes na vida um do outro que vivem se mencionando em entrevistas e biografias - deixarem os anos que lhes restam passarem sem voltarem a conversar uma vez que seja. Cresçam, seus velhos malas. *risos*

Aos amigos que leem o Purpendicular, um excelente final de ano. Em 2012, o Purpendicular faz 10 anos. Espero conseguir manter um ritmo de atualizações melhor do que o de 2011.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Caseiro que roubou US$ 287 mil de Coverdale vai em cana

David Coverdale não é Antonio Palocci, mas também arrumou problemas com um caseiro. Ao contrário do ex-ministro, porém, a razão está do lado de Coverdale.

Eric Hosner foi caseiro de Coverdale em Lake Tahoe a partir de 2009, nessa casa aí da foto. Ele teria enviado cobranças fraudulentas ao contador do cantor - recebendo indevidamente US$ 287 mil.

A Justiça condenou Hosner a seis meses de prisão e à devolução de US$ 70 mil. O roubo foi descoberto em março deste ano por um consultor financeiro de Coverdale, e Hosner está preso desde então.

No relato do Reno Gazette-Journal:

"Ele era tratado como se fosse da família, com o casal comemorando seu aniversário e dando dinheiro pra pagar o casamento dele, mas ele ainda assim roubou, disse Cindy Coverdale".

Chega de tristeza. Veja abaixo uma aula de pole dance da patroa do velho Cobra Branca:

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Oh, Aranea, you're so divine

Nasceu a segunda neta de Roger Glover, segunda filha da cantora Gillian Glover. Chama-se Aranea, segundo o orgulhoso vovô. O nome tem tantas implicações musicais e familiares que é impossível não escrever um post a respeito.

"Aranea" é uma faixa do disco Butterfly Ball, composto por Glover depois de sua saída do Deep Purple. O disco é um musical em torno de um popular livro infantil inglês, com ilustrações clássicas. Glover escreveu uma música para cada personagem e chamou seus amigos para gravar. Ronnie James Dio pôs a voz na faixa mais conhecida, "Love is All", e na arrepiante "Sitting in a Dream". David Coverdale cantou "Behind the Smile". Glenn Hughes soltou os pulmões em "Get Ready". Jon Lord fez os teclados, junto com Tony Ashton.

Quando foram apresentar a obra ao vivo, no Royal Albert Hall, isso virou uma grande celebração da família Deep Purple. Em nenhum outro show da banda você veria Glover tocando baixo ao lado de David Coverdale, por exemplo. E foi nessa apresentação que Ian Gillan saiu da toca depois de dois anos, cantando "Sitting in a Dream". Dio não pôde participar do show porque o chefe dele era um tal de Ritchie Blackmore. E a apresentação de Hughes foi como que um teste depois de um surto químico, pra ver se ele ainda conseguia se apresentar antes da turnê mundial da Mk4. Que, aliás, seria a última da primeira grande era do Purple.

Uma das faixas, "Aranea", foi composta especialmente para Judi Kuhl - então mulher de Glover. Ao cantar no Royal Albert Hall, ela exibia uma barriguinha grávida. Dentro dela estava Gillian Glover, a orgulhosa mãe de Aranea. Com uma cajadada só, Gillian ao escolher o nome da filha homenageou seu pai, sua mãe e a primeira vez em que pisou no palco. Veja aqui embaixo:


O fim desse show acabou virando uma emocionante festa da família do Deep Purple:

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Cinco bravos jovens sem respeito por limites

Mestre Jon Lord colocou em seu site a carta que Ian Paice leu no mês passado, quando o Deep Purple ganhou da revista Classic Rock o prêmio de inovadores. Nela, ele definiu tudo o que eu admiro no Deep Purple, especialmente na Mk2:

"Agradeço do fundo do coração este prêmio, por reconhecer que aquilo que fizemos - quando éramos apenas cinco bravos jovens sem respeito por limites mas um amor dedicado por escrever e tocar música - era de fato inovador. Também era alto, grave e sujo, subversivo e perigoso, intrincado ainda que muitas vezes enganosamente simples, muito empolgante de tocar e acima de tudo mais era uma diversão espantosamente boa. E, sim, nós 'dançamos e cantamos e subimos ao topo da montanha' [trecho de No One Came]. Ah, foi mesmo. Agradeço do fundo do coração, também, aos cavalheiros no palco por fazerem parte da mudança na minha vida e por tocarem como heróis. Ah, e por favor não esqueçam de quem foi o primeiro a forçar vocês a tocar com uma orquestra!"

Aniversário no palco

Roger Glover fez aniversário anteontem, no meio de um show na Alemanha. Com direito a orquestra tocando parabéns.



Já mandei os parabéns no blog dele, onde ele anuncia que será avô pela segunda vez. Gillian Glover, sua filha cantora, teve o primeiro filho em 2009 e já encomendou o segundo. No dia do aniversário, chegou meu exemplar do novo CD do Glover. Vou resenhar depois.

Em 1984, num dos primeiros shows da reunião do Deep Purple, também houve aniversário do mestre. Gillan pegou o microfone e anunciou - avisando que Rog pagaria drinques pra todo mundo depois do show. O @brunoalsantos lembrou de um pirata do Rainbow, de 1979, chamado "Perfect Roger's Birthday Party"

Outras comemorações no palco:

* 29 de junho de 1973. Último show de Gillan e Glover antes de deixarem o Deep Purple. Também era aniversário de Ian Paice. No meio de Space Truckin', Jon Lord deu um jeito de tocar o parabéns. Quem não sabia a data ficou achando que era algo como o Blackmore tocando Jingle Bells no meio de Wring that Neck em qualquer época do ano.



* 17 de dezembro de 1997. Pouco antes de começar o show do Deep Purple na House of Blues de Chicago, Ian Gillan pega o microfone e anuncia que tinha um momento muito especial: o casamento de Steve Morse. Entra um padre no palco e casa o Steve com Jackelyn. Detalhe fabuloso: Jon Lord toca a marcha nupcial. Só caso de papel passado nessa situação.