domingo, 11 de abril de 2004

Clássicos Purpendicular - California Jam



Semana passada fez 30 anos. Era 6 de abril de 1974. Em dezembro do ano anterior, o Deep Purple havia inaugurado em Copenhague sua terceira formação: mantinha o tripé original (Blackmore, Lord e Paice) e apresentava seus dois novos membros, David Coverdale (voz, no lugar de Ian Gillan) e Glenn Hughes (baixo, voz e gritinhos, no lugar de Roger Glover). São os primeiros meses da famosa Mark 3, que gravou os discos "Burn" e "Stormbringer".

Depois de algumas apresentações iniciais da nova formação na Europa, o Deep Purple foi convidado para ser a principal banda a tocar no festival California Jam --com a fantástica duração de 12 horas!!! Outras bandas poderosas que estariam lá: Black Sabbath, ELP, Eagles. Mas o Deep Purple seria o prato principal e o show mais polêmico do ano. Eram meados da primeira turnê americana da nova formação, quando o Deep Purple era a banda mais lucrativa do mundo e havia entrado no Guinness havia pouco tempo como a banda mais BARULHENTA do mundo.

Muito nervosismo, da banda e da organização do show. O guitarrista do grupo, Ritchie Blackmore, era conhecido por fazer misérias com suas guitarras no palco. Não chegava a tocar com os dentes ou botar fogo na guitarra, como o Jimi Hendrix, mas como bom discípulo do glorioso Screaming Lord Sutch, ele fazia lá suas balacas. Coisas como tocar com os pés, fazer longas seções de "bending" nas cordas, jogar a guitarra ao redor do corpo e voltar a tocar. O magrinho era um malabarista.

Josh White, diretor de filmagens do evento, lembra de como ele, pensando nessa fama do Blackmore, pode tê-lo induzido à cena mais famosa do evento:

"Eu falei com ele na noite anterior. O Deep Purple fez um ensaio técnico, e eu perguntei se ele ia quebrar a guitarra dele. E Richie disse: 'sim, talvez. Sei lá, que merda'. Ele estava meio puto com várias coisas que não tinham nada a ver comigo. E eu disse: 'Veja, se você for quebrar a guitarra, privilegie a câmera. Vou fazer uma bela filmagem e vai ficar genial'. E ele privilegiou bem a câmera, gerando US$ 8 mil de prejuízo."

Mais de 200 mil fãs estavam na platéia, e eram esperados no máximo 60 mil. Todos queriam ver a estréia do "novo Deep Purple", depois do fim da mais perfeita formação deles, aquela com o Gillan e o Glover. Todos os membros estavam no topo de sua energia: Jon Lord, o mais velho de todos, tinha apenas 32 anos. Coverdale e Hughes, os mais jovens, estavam excitadíssimos com o estrelato e com a primeira vez em que pisavam em solo americano.

O setlist foi mais ou menos o mesmo do Live in London, que seria gravado mais de um mês depois: Burn (com Hughes gritando "You know we had no tiiiiiiime!!! Aaah, aaah, aaah, aaaah!!!"), Might Just Take Your Life, Smoke on the Water (num esquema de jogral). Algumas cenas interessantes: Coverdale literalmente comendo mosca, uma interação simpática entre Hughes e Lord (dois anos depois, Lord "roubaria" a ex-namorada de Hughes, mas essa é outra história), Hughes tocando seu baixo e dando gritinhos. Mas a coisa ficou realmente quente depois, durante Space Truckin'.

A música era, desde os tempos de Gillan, o veículo para os solos de cada um deles. Todos faziam performances quase literalmente pirotécnicas, de quase meia hora (um amigo meu, na época do vinil, dizia que não tinha curiosidade de ouvir o Purple porque alguns discos --como o Made in Japan-- tinham "só uma música num dos lados").

Naquele dia, Blackmore se estranhou com os jornalistas, que estavam lá embaixo na platéia, bem na frente do palco. Eles queriam ângulo para tirar fotos dele, e ele só fazia caretas. Para complicar, um câmera da TV americana ABC estava lá em cima do palco querendo pegar também o melhor ângulo.

Lá pelo 17º minuto da música, ele começou seu verdadeiro show.

Quebrou duas guitarras e as atirou violentamente nos jornalistas. Bateu violentamente numa câmera com sua guitarra. Dançou sobre as cordas de guitarras inteiras e quebradas. Fez uma barulheira dos infernos. Até que o verdadeiro lance pirotécnico foi tentado.

Quando foi buscar sua terceira guitarra, Blackmore cochichou meia dúzia de palavras com um dos roadies da banda, e se posicionou. Inocentemente, começou a tocar sua guitarra e a caminhar para a frente de um grande amplificador. Lá na frente, começou a dançar sobre as cordas da guitarra.

O técnico jogou gasolina lá dentro, riscou um fósforo, saiu correndo e...



Essa é uma das cenas mais lindas da história do rock. Merece ser vista em vídeo - em áudio não tem graça nenhuma. O clipe dessa parte em especial pode ser baixado clicando aqui.

Blackmore ficou fazendo coreografias na frente do fogo, até que foi retirado de lá pelos bombeiros. Mais tarde, passou a jogar os amplificadores queimados nos jornalistas também.

Depois ele pegou outra guitarra e tocou mais um pouco até o final da música. Mas os caras do Deep Purple, todos, tiveram que ser tirados do palco de helicóptero, logo depois do show. Para não serem presos.

O show está disponível em vídeo e em CD --este lançado em 1996. Prefira o vídeo, já que o CD tem no final uns 15 minutos de barulheira completamente sem sentido... só faz sentido com a imagem junto. A vantagem do CD é o sempre providencial livretinho escrito pelo Simon Robinson, o homem que mais entende de Deep Purple no mundo. Mas nem o Robinson recomenda esse CD, e até por isso lançou no ano passado uma nova versão completa, chamada Ontario Motor Speedway 1974.

3 comentários:

  1. Pedro4:19 PM

    mais um texto excelente Marcelo.Meus parabéns

    só uma coisa:no trecho "depois do fim da mais perfeita formação deles, aquela com o Gillan e o Hughes.", não seria Gillan e Glover?

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  2. Tô ficando é velho. Corrigi lá.

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  3. Agora é que eu vi algumas coisas, também. Esse post é pré-YouTube. Sensacional como as coisas mudam com o tempo.

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