Eu sei que muitos de vocês não devem ser fãs do Tom Jobim. Mas ele tinha algumas idéias muito interessantes sobre a música. Pensem em Deep Purple enquanto lêem:
"Um [sintetizador] DX7 reproduz quase perfeitamente o som de qualquer instrumento. Mas não será jamais o instrumento. Daí que a música que toca no rádio é chata, toca na TV é chata, aqui ou em qualquer parte do mundo: é pasteurizada, repetitiva, sempre igual, sem imaginação. Chata. Hoje, no Brasil, para ser músico, a primeira coisa que você tem de fazer é arranjar um contrabandista que lhe traga estes teclados todos. Isto é revolucionário? Não acho. Beethoven ainda é mais revolucionário do que todas estas novidades. Para mim, a música reflete os movimentos da alma: aquele achado feliz, o sair de uma tonalidade e encontrar um caminho novo para chegar a outra... enquanto se raciocina em termos de decibelagem."
TOM JOBIM, em entrevista ao O Globo em 1987
"Música é um negócio que já é difícil de você falar sobre. Falar sobre música é difícil. Desde o Wagner é que eles estão falando se o robe de chambre do Wagner é púrpura ou é roxo, não sei o quê. Umas conversas que não tem nada a ver com a música. E depois o cara acaba falando mal do próprio compositor, diz que ele é aquilo, aponta defeitos físicos. Ora, a vida de um compositor não é isso absolutamente, né. Eles estão interessados em apontar defeitos e coisa e tal. E dizer que isso é crítica musical. Nem por um instante eles falam de música, nunca."
"Nós só conhecemos as músicas editadas, as músicas inéditas nós não conhecemos. Eu conheço Beethoven, Ravel, Bach, Charlie Parker, George Gershwin, mas são músicas editadas, né. E às vezes eles estão esperando que seja tudo inédito. Perguntaram ao Baden Powell: 'Escuta, o seu novo CD tem músicas inéditas.' Ele disse: 'São dezesseis inéditas de sucesso.' Bem, aqui também você faz a música um ano atrás, dois anos atrás, três, dez anos atrás, e (dizem) 'Música velha!' 'Ih, essa música tava na novela do ano passado ("Querida"), é uma coisa antiguíssima.' É
uma música de uma ano, quer dizer, é um neném. Eu toco música aí nesse piano de trezentos anos."
"A grande coisa do revolucionário do moderno é que ele vira clássico. Como Debussy virou um clássico. O Stravinsky foi dar uma conferência em Harvard, ele já estava meio velho, e ele chegou lá, tinham aqueles alunos jovens. (Um deles disse) 'Maestro, o senhor fez uma revolução completa na música'. Ele pega um objeto na mesa (Tom pega um objeto na mesa) e disse: Ólha, meu filho, uma revolução completa é isso. (girando o objeto em 360 graus) Porque se você fizer meia revolução, aí fica tudo de cabeça pra baixo, é o pau-de-arara. A revolução completa são 360 graus, volta tudo para o mesmo lugar! O cara vai pensar que vai revolucionar botando de ponta-cabeça. Aí fica tudo ao contrário."
"Eu não defino linhas de fronteira entre a música popular e a música erudita. Inclusive Chopin, Villa-Lobos, está cheio de temas populares dentro da música erudita. Essa divisão é falsa, não leva a nada também. Certas pessoas gostam de dar nome às coisas. E dar nome às coisas impede a compreensão. Eu chamo Maria de Maria e aí penso que conheço Maria. Mas Maria é uma outra coisa. É essa coisa de fazer enciclopédia, botar todos os nomezinhos lá. Quando aparecer um nome novo, fazer mais um volume pra completar a teoria. Catalogar, né."
"Mas porque essa obrigação de compor sempre? Eu nunca entendi isso bem. E as músicas inéditas, eu vou mantê-las inéditas pra que ninguém possa saber. Ninguém possa achar nada. Senão eles acabam pondo as músicas obscenas, os hinos do clube de futebol, acabam botando tudo, fazendo disco, você sabe. Os poemas eróticos do Drummond, por exemplo, eu não sei se ele gostaria... Não sei, duvido. E depois só se vê bem com o coração. O que acontece é que fica esse negócio de 'Olha lá ele! Tá com uma barriga! A roupa...O chapéu tem uma aba curta!' Não adianta. O robe de chambre do Wagner se era púrpura ou se era roxo. Fica exatamente o que não é, o que não interessa."
IDEM, em sua última entrevista, de novembro de 1994
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