quinta-feira, 5 de junho de 2008

Mary Long, quem diria, deixa saudades hoje



A música "Mary Long", do Who Do We Think We Are, é uma crítica a dois paladinos do moralismo britânico nos anos 70, Mary Whitehouse e Lord Longford. Pois a vida de Mary Whitehouse, essa tia aí em cima, virou tema de uma telessérie da BBC2. O blog Comment is Free, do The Guardian, pergunta:

    Numa época em que piadas sexuais na televisão são um dado, em que músicas como "promiscuous girl" tornam-se sucessos imediatos ou em que um blog de fofocas picantes atrai milhões de acessos todo dia, perguntamos: será que precisamos de outra Mary Whitehouse? Será que aceitar a transmissão de conteúdos arriscados foi um erro ou deveríamos ter cuidado com qualquer tentativa de censurar a mídia?

Eu, pessoalmente, acho que brincar com a liberdade de expressão é um perigo: tanto em termos de abusar dela quanto em termos de querer controlá-la demais. Mas acho que a promíscua tem o direito de cantar sua promiscuidade, desde que quem não gosta tenha o direito de desligar o rádio ou não comprar o disco.

Mandei um e-mail para o Gillan perguntando o que ele acha do docudrama sobre a velhota. Vamos ver o que ele diz.

Mary Whitehouse morreu em novembro de 2001, pouco tempo antes de este Purpendicular ser criado. Tinha 91 anos. Quando soube disso, escrevi um "Clássicos Purpendicular" contando a história da tia:

    Morreu em novembro a professora britânica Mary Whitehouse, uma ferrenha moralista inglesa dos anos 70. Aos 91 anos, informava o "The Guardian" de 24/11. A, hã, simpática vovó aí em cima foi a fundadora da "National Viewers and Listeners Association", uma Senhoras de Santana inglesa. Para terem uma idéia da simpatia da véia, vejam o subtítulo do editorial do Guardian sobre a morte: "Nós não merecíamos Mary Whitehouse".

    "Mary Long é uma hipócrita. Ela faz todas as coisas que diz para não fazermos." Esse era o começo da letra de "Mary Long", gravada em 1973. A canção era um libelo contra a censura moralista da Inglaterra do começo dos anos 70. O nome era composto por MARY Whitehouse e Lord LONGford. "Auto-escolhidos guardiães da moral pública", classifica Ian Gillan, o compositor da música. Gillan, na letra, chegava ao requinte de fazer uma sugestão sobre o que ela deveria fazer: "vai procurar teu amigo caralho, cava um buraco em ti e pula em cima dele". A tradução é livre.

    A segunda metade da letra, lorde Frank Longford, morreu em agosto do ano passado, aos 95 anos, e também mereceu um obituário do Guardian, sem editorial. Para vocês terem uma idéia de quem era a figura, Longford foi padrinho de casamento do sequestrador Charles Bronson e tinha o costume de visitar prisões desde os anos 30. Não, não como hóspede: ele lutava pelo direito de os presos incompreendidos serem ouvidos. Até hoje permanece inédito um manuscrito escrito por esse tiozinho aí da foto, cujo singelo título é "Hitler -- ele não pode ter sido tão mau, pode?" Apesar disso, ele se dizia socialista e católico, fervoroso em ambas as crenças como um certo governador bigodudo que eu conheço.

    "Eles eram os fascistas politicamente corretos e conscientes da publicidade naqueles dias; não mudou muito hoje, exceto pelo fato de os atuais soldadinhos do passo certo usarem a palavra 'não-apropriado'", escreveu Gillan em uma explicação da letra. Ele termina a explicação com a melhor frase sobre moralismo que já li na vida: "há e sempre houve um sinistro bafo de hipocrisia emanando do púlpito dos pios." Tanto pios de direita quanto pios de esquerda; tanto os religiosos como os laicos, percebam --púlpito nem sempre é um palco na frente da cruz.

    Mary e Long metiam o dedo em tudo. Principalmente nos roteiros da BBC, emissora pública britânica (Mary told Johnny not to write such trash, she said it was a waste of public money...). Mrs. Whitehouse ficou na ativa até o ano passado, apesar de estar oficialmente aposentada desde 1984 (juro que é só coincidência, acho). Lord Longford também continuou cumprindo sua tarefa cristã de visitar os presos até meses antes de sua morte, e até lançou um diário sobre suas andanças pelo mundo do sol quadrado.

    Não seria exagero, acho, dizer que eles abriram o caminho do conservadorismo de Maggie Thatcher (Thatcher! Thatcher! Milk snatcher!), outra professorinha sinistra que passou a tomar conta do país a partir de 1979.

    Mas a figura mais odiada era a tia Whitehouse. Na descrição do Guardian, ela era "uma personalidade pública única, que brilhantemente usou e manipulou a BBC e outros meios de comunicação, apenas para castigá-los. Seu sorriso metálico e benevolente, óculos barrocos e frases prontas a tornaram mais conhecida que muitos ministros de Estado."

    Ela começou a agir em 1963. Professora de artes e de educação sexual, ficou escandalizada quando viu um casal de alunos fazendo de conta que estava trepando. "Eles disseram a ela que estavam imitando Christine Keeler e Mandy Rice-Davis, que haviam visto na TV." O Guardian, em artigo de Richard Hoggart, afirma que os argumentos válidos dela se perdiam em uma obsessão por sexo.

    Dave Hodgkinson, editor do site oficial do Deep Purple, ao registrar a morte de Mary Whitehouse, informou: o lorde Frank Longford, que inspirou a segunda metade de "Mary Long", morreu aos 95 anos em agosto de 2001.

    No texto matreiro do Dave:

    "Há algumas semanas, Mary Whitehouse, terror dos pornógrafos e praticamente qualquer um que não se enquadrasse em sua conformidade de mente estreita, levou sua última reclamação a seu criador aos 91 anos. Lord Longford, a outra metade da música, bateu as botas aos 95 anos em agosto. Eles viveram muito ou foi só impressão?"

    Em homenagem a esses personagens da infame história da censura, o Purpendicular publica a letra completa de Mary Long, no original. Adeus, Mary. Adeus, Long. Já vão tarde.

    Mary Long
    (Blackmore, Gillan, Glover, Lord, Paice)

    Mary Long is a hypocrite
    She does all the things that she tells us not to do
    Selling filth from a corner shop
    And knitting patterns to the high street queue
    She paints roses even makes 'em smell good
    And then she draws titties on the khazi wall
    Drowns kittens just to get a thrill
    And writes sermons in the Sunday Chronicle

    How did you lose your virginity, Mary Long?
    When will you lose your stupidity, Mary Long?

    Mary told Johnny not to write such trash
    Said it was a waste of public money
    She made a fuss they made apologies
    But everybody thought the show was funny
    When the nation knew you had children
    It came as such a surprise
    We really didn't know you'd had it in you
    How you did it we can only surmise

    How did you lose your virginity, Mary Long?
    When will you lose your stupidity, Mary Long?

    Mary Long you're not alone
    But you're a long way behind our times
    What we do in full frontal view
    Is more honest than your clean up mind
    What I'm saying Mary Long is
    When you can spare a minute
    Go find your friend the Porny Lord
    Dig yourself a hole and jump in it

    How did you lose your virginity, Mary Long?
    When will you lose your stupidity, Mary Long?

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