O Deep Purple está em turnê pelo Canadá antes da parada para gravar de vez o disco novo. Algumas coisas já começaram a ser compostas, segundo todos os membros da banda. Em entrevista à versão canadense do jornal Metro, Morse afirmou que eles só não incluem coisas novas no show porque no dia seguinte já está no YouTube e estragou a surpresa. Ele diz, porém, que ainda não viu as letras. Ou seja: mestre Ian Gillan precisa se mexer!
Esse medo do YouTube matou uma longa história do Deep Purple de testar ao vivo o que depois viraria música. É uma das coisas que sempre me agradaram na forma como eles criam. Essa história vem desde o final dos anos 60, quando eles (e outros!) iam à BBC gravar versões de suas músicas para que a emissora tivesse coisas deles para tocar na programação. Foi assim que o Led Zeppelin transformou sua versão de "Travelling Riverside Blues" em "The Lemon Song", por exemplo.
No final do ano passado, a EMI lançou o disco duplo "Deep Purple: The BBC Sessions 1968-1970", que traz todas as gravações remanescentes feitas pela banda na emissora nesse período. Estou pra resenhar esse disco há tempos. O que ele demonstra, basicamente, é o quanto o Deep Purple evoluiu testando músicas ao vivo para depois gravar.
A Mk1, por exemplo, testou lá a faixa "Hey Bop a Re Bop" em fevereiro de 1969. Mais adiante, a mesma música mudaria de letra e voltaria a aparecer lá em julho de 1969 como "The Painter", uma das faixas divertidas do terceiro disco. Nessa altura, a banda já estava mudando.
No mês seguinte, agosto de 1969, o novo Deep Purple tomaria os estúdios da BBC tocando "Ricochet". A mesma música seria tocada em Amsterdã, no dia 24, com o nome "Kneel and Pray". Isso saiu na primeira gravação pirata que fez a fama da qualidade do Purple ao vivo. Sei lá se a letra não colou, mas em outubro, no Festival de Jazz de Montreux, a base musical tinha sido mantida e a letra fora mudada. Em novembro, de volta à BBC, o Deep Purple já gravava uma versão próxima da definitiva: "Speed King".
Na mesma sessão em que eles gravaram Speed King, no programa "Stuart Henry Noise at Nine", a BBC pediu que o Deep Purple fosse ao estúdio e criasse algo novo. Saiu algo que eles chamaram de "Jam Stew", com Ian Gillan cantando sobre uma mulher de olhos malvados. Durante a gravação de In Rock, a música chegou a ser gravada em estúdio como "John Stew", agora sem vocais. Não foi aproveitada no disco, porém; só saiu em 1995, no remaster. Em setembro de 1970, o Deep Purple voltou à BBC e gravou uma nova versão desse instrumental como "Grabsplatter". Essa faixa apareceu para o público em geral pela primeira vez oficialmente em 1985, na coletânea "The Anthology".
Em 1971, Ritchie Blackmore e Ian Paice gravaram sob pseudônimo com alguns amigos um disco especial chamado "Green Bullfrog". E vejam só: lá estava Jam Stew/John Stew/Grabsplatter com nova roupagem, chamada de "Bullfrog". Nesse ano, o Deep Purple estava gravando o disco Fireball - e a estrutura de Grabsplatter foi aproveitada no single "I'm Alone", lado B de "Strange Kind of Woman", que reapareceu em "Singles A's & B's" e no remaster de Fireball.
Também nesse ano, duas músicas do disco seguinte, Machine Head, começaram a ser testadas ao vivo lá por julho: o blues "Lazy" e a porrada "Highway Star". Sim, nem todo o disco foi composto sob o rigor do inverno suíço após o incêndio do cassino.
A lenda de Highway Star diz que a música foi composta num ônibus, indo para um show na Inglaterra, com jornalistas a bordo. Um deles teria perguntado a Blackmore como o Deep Purple compõe suas músicas. Blackmore disse: "assim". Olhou pela janela, fez um power chord de sol na guitarra e começou a bater repetidamente. Ian Gillan entrou em cima e começou a improvisar: "We're on the road, we're on the road, we're a rock'n'roll ba-and!". A lenda diz que na mesma noite a música estava no show.
Em entrevista recente, Jon Lord discordou: não tinha como, porque as trocas de solo, em progressões bachianas, são elaboradas demais para criar do dia pra noite. E ele está certo. Um vídeo de Highway Star na TV alemã, gravado lá por setembro de 1971, mostra a mais antiga gravação de boa qualidade conhecida da música. A letra ainda não está consolidada - Gillan fala em Steve McQueen e Mickey Mouse. O solo também não é aquele que é tão perfeito que ninguém ousa mexer muito. A versão completa da gravação e um take alternativo saíram no DVD "History, Hits & Highlights".
Com as brigas na banda a partir de 1972, acabou o Deep Purple-moleque e a coisa ficou profissional demais. Na Mk3 e na Mk4 não tinha essas coisas, e até o improviso no palco perdeu o ímpeto criativo. Quando a Mk2 voltou, também não. A banda ficava muito presa ao repertório do Made in Japan - como ainda fica, em parte.
Com a chegada de Steve Morse a coisa mudou de figura e eles passaram a brincar mais com o catálogo do Deep Purple. Mas ainda não haviam voltado ao velho costume. Nos estertores da Mk7, no longo intervalo entre a gravação de Abandon e a saída de Jon Lord, duas músicas novas foram testadas ao vivo. Uma que não vingou chegou a ser tocada no festival de Montreux em 2000: "Long Time Gone".
A segunda, "Up the Wall", foi tocada na turnê de despedida de Jon Lord.
Acabou virando "I Got Your Number", quando entrou no disco Bananas. Ficou no repertório ao vivo até 2005, quando a banda lançou Rapture of the Deep.
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