sexta-feira, 22 de agosto de 2003

Túnel do tempo

Pois vejam só a diferença que fazem dez anos na vida de um fã. A gente está tão excitado com o lançamento do Bananas que nem lembra dos dez anos do The Battle Rages On. Não, não me apedrejem. Senta, que lá vem história.



Há dez anos, eu estava igualmente tenso com o lançamento de um disco novo do Deep Purple - poxa, o Ian Gillan estava voltando para a banda depois do fiasco que foi o Joe Lynn Turner! O que não fazia a expectativa, hem?

Na época, não existia a internet. A gente tinha que ir comprando as revistas gerais sobre música pra ver se saía uma notinha sobre as nossas bandas favoritas. A primeira veio lá pelo final de 1992, na revista Top Rock:

"O boêmio voltou novamente

Ian Gillan revelou esta semana que voltou ao Deep Purple por um prazo de teste! 'Não diria que a banda se formou novamente', disse o vocalista. 'Eu não queria somente outra reunião do Deep Purple, acho que ninguém quer isso. A razão é o 25º aniversário da primeira formação do Purple. Há um papo sobre um álbum de aniversário e pressão para que ele seja feito pela segunda formação, que, é claro, sou eu, Ritchie, Roger, Jon e o pequeno Ian. Não há outros planos além de compor e gravar algumas músicas. Veremos como funciona. Não sou contra fazer outra tour com o Deep Purple, mas teremos de esperar e ver. Não estou animadíssimo'."


Por mais que ele não estivesse animadíssimo, eu fiquei animadíssimo ao ler isso. Com quinze, quase 16 anos na época, eu já tinha apertado a mão do Gillan atrás do Araújo Vianna no dia em que tomei o meu primeiro porre e ouvido tudo o que achava que queria ouvir do Purple até então. Até, devido ao aperto financeiro por culpa daquele narigudo safado, tinha parado temporariamente de investir em discos. Lembro da circunstância em que li essa nota. Comprei a revista na banca da Quintino Bocaiúva, perto da Cristóvão Colombo, e li na rua mesmo. Era um dia nublado.

Os meses seguintes foram tensos. O que será que sairia disso? Fui atrás das revistas subseqüentes, mas passavam-se edições e edições sem notícias sobre os rumos da banda. Eu queria informação, mas não existia a internet ainda. Não sabia que uma década depois eu faria um site, atualizado quase diariamente, com notícias sobre o Purple.

Lá pelas tantas, depois de longa espera, finalmente lançam o bendito disco. Não lembro em que mês foi, nem o meu recorte da Top Rock tem data. Deve ter sido em algum ponto de agosto. Provavelmente. Saíram três páginas sobre a banda, uma com a história (cheia de falhas), uma com a discografia (cheia de lacunas) e uma com uma resenha do disco. Escrita por Luiz Seman, ela diz o seguinte, e os comentários entre colchetes são meus:

"DEEP PURPLE
The Battle Rages On
(EMI)

Quando você ouve o disco novo de uma banda antiga, dois são os possíveis pontos de vista: ou você comprava os discos mais antigos do grupo na época do lançamento ou você estava sendo lançado no mundo então! [Eita, comentarinho ruim - MS]
O Deep Purple já tem duas décadas de idade, e é sócio titular do clube Jurassic Rock, mas parece que os dinossauros púrpura sempre estão levantando de uma hibernação produnda, erguendo seus pescoços enrugados sobre o mercado fonográfico. [Metáforas cansadas...]
Essa 'nova' tentativa de Blackmore e cia. se explica por pelo menos dois motivos: a onda de saudosismo que assola o universo rocker e a volta de Ian Gillan à banda.
Mas vamos ao disco. O lado um [sim, ele foi lançado em vinil aqui, CD ainda era luxo] é Deep Purple puro. Os mesmos riffs 'pegajosos', a mesma batera firme, apenas alguns timbres de teclado meio modernosos aqui e ali, mas o vocal de Gillan realmente faz a diferença. O velho [caceta, 48 anos não é velho!] está cantando muito; confira 'Anya', a melhor faixa da bolacha [hehehe! Bolacha! Há quanto tempo não ouvia isso!]. Tudo no lugar certo, inclusive a mágica 'dobra' de guitarra e teclado que é marca registrada no som do Purple. 'Lick it Up' tem um toque zeppeliniano, talvez na batera; 'Talk About Love' é outro acerto. A faixa-título, 'The Battle Rages On', é outra digna de destaque num lado equilibrado.
O lado dois é pífio. Só se salva 'Ramshackle Man', ainda assim com muito boa vontade. Ouça 'Solitaire' e engula o vômito se for capaz. [NAH!] Salva-se do desastre a letra de 'One Man's Meat'.
Apesar disso, vale a pena conferir o primeiro lado, uma aula de vocal do mestre Gillan para as novas gerações. E os mais 'velhinhos' se emocionarão, lembrando do tempo que cantor de rock tinha que saber cantar de verdade, tempo quando o Deep Purple era a melhor banda de hard rock do planeta. Faz tempo... [ARGH!]"


Corri à minha loja favorita de discos, a Raízes (que até hoje existe ali na galeria aquela da esquina da Cristóvão com a Quintino), e bolinei o novo disco. O dono da loja, que é a cara do Frejat, botou o disco pra eu ouvir. E eu lá babando. A capa foi a primeira coisa que me chamou a atenção. Aquela capa, com o dragão se contorcendo pelo meio do D e do P, quase foi parar no meu braço, pelas hábeis mãos do grande Vinícius, hoje um estabelecido tatuador.

Voltando à loja: como eu já tinha comprado muito vinil lá (tipo o London Sessions, do Muddy Waters, e o Toolbox, do Gillan), o sósia do Frejat gravou pra mim o disco, numa boa, direto do CD. Até recentemente eu ainda tinha essa fita. Foi ele quem fez a "profecia" de que o vinil tinha os meses contados. Ter, tinha. Mas na Europa o Purple está lançando o Bananas em vinil também.

Ouvi a fita uma vez. Duas. Três. Quatro na mesma tarde. Lendo gibi dos Novos Titãs, da fase do Lorde Caos, e tomando Sprite Lima-Limão. Era o paraíso. Eu estava louco pra que eles viessem ao Brasil. Pena que não vieram. Um dos grandes remorsos da minha vida é que nunca vou ver a Mark 2 ao vivo fora de registros em vídeo.

Essa fase durou pouco, apenas cerca de um ano. Em novembro daquele ano, o Blackmore deixaria o Deep Purple, depois de uma curta turnê na Europa. Um dos momentos mais constrangedores está no vídeo de Come Hell or High Water, em que o Blackmore entra no palco só na metade de Highway Star e atira um copo d'água no câmera e outro na mulher do Gillan. Acho que é dessa alta água que vem o título. Dela, a melhor idéia que sobrou foi o resgate de "Anyone's Daughter", uma pérola do Fireball.

Mas isso é outra história, pra outra ocasião. Porque senão eu acabo contando sobre os meus últimos dias em São Paulo e a minha volta para Porto Alegre, e desvirtua o assunto.

Estas reminiscências tiveram o apoio do Deep Purple Diary e do The Highway Star, que me ajudaram a clarear as idéias sobre as datas.

Tem algumas entrevistas bem legais para lembrar o clima da época:

Ian Gillan, à TV dinamarquesa, cinco dias antes da saída do Blackmore, comparava o Deep Purple a uma ex-mulher. "Vejo o Deep Purple hoje como uma ex-mulher. Casamos duas vezes e nos divorciamos duas vezes, então de tempos em tempos a gente se encontra e tem um caso maravilhoso", ele disse.

Jon Lord, à revista Keyboards de janeiro de 1994, ele explica por que mudou a aparência de motoqueiro (meu irmão mais novo, pra provocar, aponta para o pôster da Mark 2 e diz que é o Pitibicha) para a de coroa yuppie: "Foi um grande momento pra mim descobrir que eu podia ser grisalho, que eu podia ter mais de 50 anos! Há alguns anos, eu nunca teria deixado um fotógrafo me clicar sem meus óculos escuros - imagem de durão. Não preciso mais disso, passei dessa fase."

Jon Lord, à Kerrang do mesmo mês, menciona os problemas de saúde que acabariam por tirá-lo do Purple ao dizer o motivo pelo qual ele às vezes sumia no mix dos shows: "Tenho dores nas costas para provar. Por 25 anos, fiquei numa perna só no palco. O pedal é muito subestimado. As pessoas não fazem idéia de como ele é importante. Não é um pedal de volume; é um pedal de expressão. Na verdade, é a única forma que você tem de controlar a expressão do órgão."

Nenhum comentário:

Postar um comentário