Por incrível que pareça, o riff de Smoke on the Water - aquele, mundialmente elogiado pela simplicidade dos três acordes e universalmente evitado por vendedores de guitarras - foi na verdade composto por... Antonio Carlos Brasileiro Jobim.
Não, Tom Jobim não estava em Montreux em 1971 e tampouco assistiu ao cassino pegando fogo. (Certamente esteve alguma vez no festival de jazz, e o "funky" Claude Nobs certamente tem discos de MPB em sua vastíssima coleção.) Provavelmente, Jobim também não conhecia os guris do Deep Purple, e acho até que nem eles eram fãs do maestro soberano.
Esta história começa no fórum gringo do Deep Purple. Em um dos tópicos, o colega sul-africano Jouni aponta para um link de um site com trechos do disco da cantora de technobossa Rosália de Souza. "Escutem a faixa 'Maria Moita' - escreveu - E depois digam se reconhecem aquele trechinho musical pegajoso".
Mesmo que num ritmo manhoso, não tinha como não reconhecer o dã-dã-dã. Era, sem dúvida, o riff de Smoke on the Water. Mas o cancioneiro da bossa nova foi composto em sua quase integralidade nos anos 60, então havia chances de ser mais velho que Smoke on the Water.
Era. Pior que era.
Pesquisando na internet, vi que em 1964 a Nara Leão já cantava Maria Moita em festivais. A música, composta por Carlos Lyra e com letra de Vinícius de Moraes, era no mínimo oito anos mais velha que Smoke on the Water. Busquei outros trechos de outras versões da música pra ver se o fraseado continuava lá. Continuava. A cifragem de Maria Moita está aqui.
Aprofundando mais a pesquisa, encontrei o seguinte trechinho de entrevista do Carlos Lyra no site do Tom Jobim:
"E ele também fez uma introdução para 'Maria Moita', que eu mantive para sempre, herdei dele. E teve também uma volta, quando eu sugeri que ele mudasse uma nota em 'O morro não tem vez'. A frase melódica dele era mais para o blues, e ele acabou adotando a que eu mostrei, e ele disse: 'Esta é mais popular, é mais o morro, já não é aquela coisa de morro dos Estados Unidos, um negócio de Beverly Hills, esse morro é mais carioca.' E a gente trocava figurinha assim, o tempo todo, que era uma coisa muito gostosa."
Não é novidade que os caras do Purple ouviam jazz, e bossa nova era o fino do jazz entre o final dos anos 60 e começo dos 70. O guitarrista Ritchie Blackmore roubava fraseados para fazer riffs, sem se preocupar muito. O riff de "Burn", por exemplo, é completamente chupado de "Fascinating Rhythm", dos irmãos George e Ira Gershwin; "Child in Time" foi roubo do Jon Lord - o teclado da introdução é uma cópia mais lenta de "Bombay Calling". Há uma série de casos assim, que relatei há tempos aqui.
"Smoke on the Water", porém, era até hoje tida como completamente original.
Alguém aí tem o telefone do Carlos Lyra? Estou indo atrás da conexão Deep Purple também. Creio que o segredo seja o Claude Nobs.
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