quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

Callas Forever

Outro dia a Belisa quis ver o filme "Callas Forever", sobre a cantora de ópera Maria Callas. O filme não é lá grande coisa, tirando algumas belas sacadas e a lindíssima Fanny Ardant no papel-título. Mas de lá eu tirei alguns raciocínios bem interessantes.

Por aí, e até mesmo por aqui, sempre tem alguém que vem dizer que o Gillan "não canta mais nada" desde 1983, quando gravou seus últimos agudos prolongados com o Black Sabbath (em Toolbox - de 92 - ele fez uns agudos longuinhos, diga-se). Entendo o que esses caras querem dizer, embora não concorde.

Maria Callas tinha um problema parecido. Com mais de 50 anos de idade, ela não alcançava mais os agudos da juventude. E isso, para uma cantora lírica, é fatal. O público dela esperava aqueles agudos. E as óperas são compostas para exatamente aqueles agudos.

O Gillan, embora tenha o mesmo problema que a Maria Callas teve, não precisou se esconder em casa. Desenvolveu os tons médios. Desenvolveu os graves. Ao vivo, as músicas antigas são tocadas alguns tons mais graves que o original. Sim, a voz do Ian Gillan não é mais a mesma, mas ninguém volta a ter 25 anos.

Em 1970, auge do mestre, nunca imaginaríamos que um dia ele cantaria "No More Cane on the Brazos", especialmente aquela parte do "why don't you rise up, you dead men, help me drive my road, oh, drive my road". A música "Never a Word", do Bananas, nunca seria gravada - e ali ele brinca com a voz, faz dueto consigo mesmo em dois tons diferentes, parece coisa do MPB 4.

Sim, o Gillan não canta mais "Child in Time". Mas acho que ele hoje é um cantor muito mais completo. Acho muito mais honesto da parte dele compor para a voz que tem do que usar recursos heterodoxos como a ajudinha da guitarra para os agudos de Child in Time, que se ouviu em Come Hell and High Water.

No filme, dada a oportunidade a Maria Callas de dublar, já coroa, sua voz jovem, ela inicialmente aceita... mas depois salta fora. Aquela voz não era mais dela, e a Callas que o público queria estava morta.

Dada oportunidade semelhante ao Ian Gillan, ele prefere desenvolver os tons médios e graves e continuar cantando. Temos dois cantores ótimos assim: o jovem Gillan e o Gillan maduro.

Eu acho que o Gillan é muito mais sábio nesse sentido. É algo que a música popular lhe faculta, mas ainda assim eu tiro meu chapéu.

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