segunda-feira, 29 de julho de 2002

"O novo" isto, "o novo" aquilo e o Deep Purple

Permitam-me quebrar um pedacinho do meu sigilo de correspondência para postar aqui uma mensagem que mandei para a lista Morsas. Fecha bem com a "linha editorial" do Cabide - se é que o Cabide tem isso.

Mano Velho perguntou, na lista, quem é o Harry Connick Jr. O Délio Freire respondeu, e eu teci comentários em cima.

> É um músico que a mídia tentou vender
> como o 'novo' Frank Sinatra um pouco pelo repertório
> parecido de seus CDs e pela tentativa de emplacar uma
> carreira como ator em cinema.

O Harry Connick Jr. é um crooner bem bonzinho, que canta standards do jazz. Coisa que o Frank Sinatra fazia no começo da carreira junto com uma penca de outros - inclusive o Louis Armstrong. O diferencial do Connick era que hoje ele é o único a gravar isso.

O problema é que a indústria pornofonográfica vê uma coisa legal dessas e tenta vender como "o novo" isto, aquilo ou aquele outro. Várias vezes já vi cantoras jovens e boas (por vezes duplamente) de jazz serem vendidas como "a nova" Ella Fitzgerald, Aretha Franklin ou Billie Holiday, só para serem esquecidas depois - sem merecerem.

Tudo por causa dessa mania da indústria pornofonográfica de achar que "o novo" algo antigo vende. Aliás, para citar um exemplo que o pessoal deve conhecer melhor, Black Crowes era uma banda bem boazinha de rock que caiu no ostracismo só porque, quando apareceu, foi vendida como "a nova" banda "com som dos anos 70" - o que parecia, mas não era. Eles eram eles e era isso. Só que é mais fácil de criar sucessos instantâneos anunciando "o novo" do que "este".

Coisa que não acontecia trinta anos atrás, antes da hiperprofissionalização das relações públicas e da indústria do entretenimento. Andei lendo bastante sobre essas coisas por causa do meu fascínio pelo Deep Purple. Uma coisa que me deixava de queixo caído era o fato de eles serem praticamente desconhecidos em 1969,
terem acabado de sair de uma experiência com empresários altamente profissionais para a época e terem entrado num projeto ousado e autoral - nomeadamente com o Concerto para Grupo e Orquestra (de 1969, algo revolucionário na época e a que alguns músicos da Sinfônica de Londres reagiram com frases como "eu não vou tocar com Beatles de segunda categoria") e com o disco "In Rock" (1970).

Pois bem, com as facilidades do MP3, consegui pegar programas de rádio, da BBC, em que o Deep Purple ia tocar. A BBC dava uma força enorme para essas bandas da época - era cultura inglesa, bem ou mal, que seria exportada. Vide a recente proliferação de CDs "Led Zeppelin at the BBC", "Beatles at the BBC" e etc. Os caras iam lá para gravar versões de suas músicas, e essas versões iam ao ar. Não eram anunciados como "o novo", mas como "este" - até porque não havia precedentes na época.

(Adendo especial para o Purpendicular: ao que tudo indica, o apoio da BBC parou porque o apresentador John Peel ficou chateado ao ver que o Purple lançara um single - "Black Night" - entrando, portanto, no esquemão do industrião. Até então, o Deep Purple vivia na tensão dialética entre o pop e a contracultura, puxado para o lado da cultura britânica de exportação pela BBC.)

Quanto mais eu leio sobre aquele momento específico, mais me deprimem os efeitos deletérios da hiperprofissionalização da máquina de relações públicas, marketing e da indústria do entretenimento. Mata-se a criatividade com um piscar de olhos.

Leiam o artigo do Julio Medaglia sobre isso na Folha de hoje. Está muito bom.

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