Finalmente, depois de uma semana ouvindo o disco, sai a resenha do Rapture of the Deep nesta revista eletrônica.
Nas primeiras 24 horas, ouvi o disco meia dúzia de vezes, geralmente sem muito método (trabalhando, tomando banho, comendo, lendo jornal). Esperei mais uns dias pra ouvir de novo, sem os ouvidos estarem viciados. Passei dois dias sem ouvir, depois ouvi uma vez ontem e uma hoje, antes de voltar à resenha.
A primeira ouvida é curiosa. A segunda levanta uma sobrancelha. Na terceira, o fã-nático já se empolgou. De ponta a ponta, é impossível não reconhecer o Deep Purple.
Ian Gillan está cada dia mais Gillan. As letras são ótimas, a voz é muito mais clara do que em The Battle Rages On, por exemplo, e ele até arrisca mais gritos que nos últimos três discos (praticamente em todas as músicas). O baixo do Glover aparece bem e faz toda diferença. Ian Paice não faz o rolo compressor com que estamos acostumados, mas ouça com carinho o feeling da bateria. Don Airey está cada dia mais Jon Lord - e ele mesmo disse que anda brincando mais com o Hammond e estudando o estilo do aposentado mestre. E Steve Morse brilha principalmente na composição como um todo. Desta vez, ele parece estar pegando melhor o jeito de bolar riffs eficientíssimos. Eles só precisam ser mais curtos pra grudarem melhor na cabeça.
Enquanto Bananas começava com um chute na porta (“House of Pain”), este começa com um teclado climático pra só depois de alguns segundos entrar com um riff poderoso de guitarra e baixo (“Money Talks”). Até derruba a porta, mas dá a impressão de ter virado a chave na fechadura antes de chutar. De resto, belo riff, embora meio comprido. Belas pontes, que lembram bastante o clima de coisas do disco Perfect Strangers. A produção está bastante interessante. Tem silêncios densos ao fundo da guitarra/baixo/bateria, especialmente no começo, que lembram MUITO o clima de discos gravados nos anos 70. Destaque absoluto para o dueto do Gillan consigo próprio na ponte - um canta, o outro declama. Poucas vezes ouvi o Gillan tão senhor das entonações de sua voz.
A segunda faixa, “Girls Like That”, começa com uma guitarra que lembra “Summer Song”, do Satriani (que também já foi guitarrista do Deep Purple), sobre uma base de teclado, depois entram devagarinho Paice, Glover e o Hammond do Airey. Aí entra um riff muito purpleano: baixo, guitarra e teclado em uníssono. Preste atenção na malandragem toda do Glover ao fundo enquanto o Gillan canta as estrofes. No solo de teclado, eu fecho os olhos e enxergo um rabinho de cavalo branco na nuca do Airey. Acho que o Morse canta o refrão com o Gillan (parece a mesma voz que canta junto o rap de “Doing It Tonight” no disco anterior).
”Wrong Man” andou sendo tocada na Alemanha, no início do mês. Provavelmente eles a tocarão aqui também. Riff pesadão, chuta a porta, pega legal na espinha, embora seja meio comum. O pano de fundo instrumental do refrão lembra muito o clima de The Battle Rages On. O truque do Steve Morse de esmerilhar as cordas durante o solo é meio manjado, mas ele segura legal o solo. Não acho ruim, gosto - da primeira vez em que ouvi um disco do Purple com ele, arregalei os olhos quando ele fez isso. Mas o Morse é um guitarrista bom demais pra repetir tanto um truque a ponto de ele ficar manjado.
A faixa-título do álbum, “Rapture of the Deep” tem um baixa climão, e nela os mestres mostram tudo o que sabem fazer. Começa com um dueto de guitarra e teclado que lembra muito coisas árabes. Isso se repete por várias vezes ao longo da música. O Don Airey afunda os dedos nas brancas e pretas o tempo inteiro, dando um climão solene à música, tipo “Perfect Strangers”. Sim, o Gillan repete a brincadeira dos últimos dois discos de cantar algo parecido com rap em uma passagem da música, e o Morse repete o truque do solo mais uma vez. A música cresce, fica cada vez mais e mais intensa. Isso ao vivo - e VAI tocar ao vivo - vai ser de ver um marmanjo crescido, gordo e de óculos amassar as pontas do blazer e ranger os dentes, de olhos arregalados. Dá muita margem a solos. E ouve só o Gillan cantando a arabice junto com o teclado e a guitarra, logo antes do solo do Morse.
”Clearly Quite Absurd” é uma baladinha. O título é completamente Gillan (e quem lê o que ele escreve no site dele sabe do que estou falando). Já compararam a guitarrinha que abre essa música com o tema de “Sometimes I Feel Like Screaming”. Parece um pouco. Não muito. Não sou muito fã de baladinhas pop. Acabei entrando numa polêmica sobre essa música, na internet. Tem quem ache que é a melhor balada que o Deep Purple já fez. Eu acho dispensável e fiquei até tentado a comparar com “Love Conquers All”, do infame Slaves & Masters. Tudo por causa dos efeitos que lembram arranjos de cordas ao fundo. Mas achei interessante um efeito que dá um “eco” aos sibilos da voz do Gillan. Parece até que é outra letra por trás. Prato cheio para os teóricos da conspiração.
Se você terminou a música anterior meio deprê, não esquente. ”Don’t Let Go” te faz abrir um sorriso. A voz do Gillan está claríssima, é um passeio pra ele. Há sete anos, quando resenhei Abandon pra uma disciplina da faculdade, escrevi que a gente ouve a guitarra do Morse sorrindo quando ele toca. É exatamente essa a impressão que dá. Puxa um pouco pro lado do blues, mas o Glover garante o peso. O Morse não repete aquele truque. Airey, ao fundo, segura que é uma beleza - mas ele sobressai mesmo é quando liga o piano elétrico pra fazer um solo. Gosto pra caramba desse efeito. Isso é música pra pôr o povo pra dançar na platéia. Será que incluem no setlist?
”Back to Back” já começa com o Ian Paice mandando muito bem com a força que tem. Logo depois, Glover, Morse e Airey criam um climão pesado e suingado. Gostei pra caramba. O riff lembra um pouco coisas dos últimos três discos - é puro Deep Purple fase Steve Morse. No solo, o guitarrista faz aquilo de novo. Mas manda muito bem. Mas deixa o Airey entrar pra tu veres que legal. Fica quase cósmica a coisa, parece que é um theremin. No começo parece que é o Gillan uivando, mas são os dedos do Airey. Sensacional.
A música seguinte, ”Kiss Tomorrow Goodbye”, é peso puro. A abertura com a bateria parece que baixou o santo no Paice. Sério. E o caboclo fica no corpo do cara pela música inteira. O riff inspira. Gillan com a voz claríssima. O primeiro solo de teclado lembra um pouco algumas coisas de Bananas. Mas depois o Airey detona, com a malandragem do Glover ao fundo. O solo do Morse não repete “aquele” truque, mas você já ouviu esse solo antes em outros discos.
Por sorte, a cópia que eu consegui tinha a faixa “MTV”, que eu estava doido pra ouvir. Esta eu ouvi três vezes pra resenha. O ritmo da música já faz neguim abrir um sorriso. A letra tira um sarrinho das rádios de classic rock, que até têm música de verdade, mas repetem sempre as mesmas coisas. Tem uma hora em que o Gillan imita (até no tom da voz) os coleguinhas burróides que o entrevistam como se fosse apenas um roqueiro velho que vive de glórias passadas e esqueceu de se aposentar. O começo do solo do Morse me lembra o riff de “Anya”. Depois lembra um pouco alguns solos de Abandon, antes de ele fazer aquilo de novo. O Airey manda muito bem no solo.
”Junkyard Blues” não é um blues. Nem lembra. É peso. Coisa muito boa. Mas muito boa mesmo. O Morse brilha no fundo das estrofes. Don Airey manda muito bem no piano elétrico, e começa ainda enquanto o Morse faz aquilo de novo no solo.
Tal como em Bananas, a última música é pra deixar o cidadão pensando. ”Before Time Began” é sobre a cegueira da fé: “every day of my life I discover/ someone murdering my sisters and brothers/ in the name of one god or another”. A composição inteira é de arrepiar a espinha, e nem precisa ser agnóstico pra isso. Já disseram que essa música tem um clima “épico”. Tem.
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