segunda-feira, 4 de março de 2002

A turnê do Joe Lynn Turner

O ano é 1991. O dia: 23 de agosto. O lugar: centro de Porto Alegre, na frente do hotel Plaza São Rafael.

À noite, haveria show do Deep Purple no Gigantinho. Era uma formação muito fraca: apesar de ter quatro membros da formação clássica (Blackmore, Lord, Paice e Glover), o vocalista era o Joe Lynn Turner. Na Bizz do mês seguinte, o André Forastieri teve um raro lapso de genialidade e definiu: "Turner, coitado, tem menos voz que a Xuxa". E era a primeira vez em que o Purple vinha ao Brasil. O Gillan já havia vindo em 1990 e voltou em 1992 (em outro show memorável da minha carreira de roqueiro, quando o Araújo Vianna ainda não era coberto); mas o Purple só esteve aqui com uma formação decente a partir de 1997 (10 de março de 1997, no Opinião; grande show). Mas eu estou comentando sobre a fase negra do Purple.

Eu tinha 14 anos na época. Estava no primeiro ano do segundo grau. Na frente do Plaza, encontrei uma turma de outros fãs do Deep Purple (sim, eles existem) --incluindo o Fábio, que morava perto da escola em que eu estudava e apresentou um especial sobre o Purple na rádio Ipanema meses depois, e o Marcelo Gross, de Canoas, que por acaso era amigo de uma amiga minha (a Vanderlise, que está se formando em História na Ufrgs) e outro dia vi que era baterista em uma banda.

Fomos todos para a frente do Gigantinho ainda à tarde, para ouvir a passagem do som. Eu e o Gross começamos a subir um nas costas do outro para espiar pelas janelas, e lá estava o Blackmore jogando futebol com uns caras da equipe enquanto os técnicos montavam o palco. O resto da turma exibia seus discos recém-autografados. Cheguei a ver, na frente do Plaza, um carro com o Lord e o Paice. Cheguei ao requinte de conseguir um pôster da turnê, que era pendurado nas farmácias Panvel (que vendiam os ingressos).

Não pude ir ao show por motivos adolescentes e financeiros: a entrada custava seis mil cruzeiros. Até meados do ano passado eu conseguia calcular exatamente quanto isso valia comparando com o preço do gibi. Mas comparando com a passagem do ônibus (na época era Cr$ 100 e hoje é R$ 1,10), o preço hoje seria equivalente a R$ 66. Provavelmente seria arredondado para R$ 65. Caro demais para um guri que apenas fazia bicos eventuais. E minha mãe não deixou que eu ficasse lá do lado de fora por muito mais tempo (liguei para casa para avisar, era um bom menino).

Na época eu nem era muito fã do Purple. Tinha três discos deles, apenas: Stormbringer, que herdei da minha prima, Slaves and Masters, que era o disco da turnê, e Burn, que comprei num balaião do supermercado.

Toda essa contextualização para dizer que ouvi agora há pouco uma gravação daquela turnê em MP3. Provavelmente feita dois dias antes, em São Paulo, ou na pior das hipóteses cinco apresentações depois, em Israel (no último show daquela formação, em 29 de setembro). A música é The Cut Runs Deep, uma das fraquinhas compostas pelo Turner, em que ele engasga em sua própria letra e intercala Hush e Rat Bat Blue.

O cara simplesmente não tem voz. Não levanta o povo. Falha a torto e a direito.

Mas o melhor de tudo é ver, na seção dele no site dos Voices of Classic Rock, como ele descreve o período:

"Para a turnê mundial de Slaves and Masters, em 1991, a banda mudou a lista de músicas mais do que havia mudado nos 20 anos anteriores. Enquanto favoritas dos fãs como 'Smoke on the Water' e 'Highway Star' permaneceram, a banda abriu com 'Burn', que não era tocada desde que David Coverdale saiu do grupo, em 1975 [Nota do Marcelo: o grupo acabou em 75, voltou só em 1984, com o Gillan --que não canta nada do Coverdale; então, foram só sete anos sem que a bruxa mandasse queimar tudo]. Com a versatilidade vocal de Joe [NM: sim; vai do silêncio aos tons médios, passando pelos tons roucos e uns gritinhos histéricos] e sua habilidade de improvisar [NM: algo como chamar o público para repetir "Say hey, ay, ay, yeah! Oh, oh, oh, oh! Yeah yeah yeah! Oh oh oh! Hey! Oh! Hey! Oh! Hey hey! Oh oh!"], a banda sentiu-se confiante o suficiente para ampliar o repertório e tocar 'Hush' [NM: que eles tocam desde 1968] ou mesmo explodir em covers que vão de 'Whiter Shade of Pale', de Procol Harrum [NM: uma baladinha xumbrega e melosa, que não tem nada a ver com Deep Purple], a 'Hey Joe', do Jimi Hendrix [NM: que também estava no primeiro disco do Purple, então a única inovação foi a baladinha]."

Em outro trecho memorável de seu release autobiográfico, ele afirma que, quando se preparavam para gravar o disco seguinte (que viria a ser "The Battle Rages On"), "o resto dos membros do Purple decidiu que uma mudança na banda era necessária devido à pressão da gravadora e à política interna da banda. Eles decidiram recontratar Ian Gillan..." Em bom português: "fui chutado".

Acho que, se eu tivesse ido àquele show, nunca teria virado fã. E não teria cometido, há alguns meses, os granicídios que cometi com os CDs importados, remasterizados e o diabo a quatro. Quem define esse sentimento muito bem é Doug MacBeath, em seu especial sobre a turnê de 1991 no site do Purple --aquele foi o primeiro show dos velhos a que ele assistiu: "Depois do show, entrei no Bar dos Estudantes, e um amigo comentou que eu parecia ter levado um chute nas bolas, dado pelo meu melhor amigo..."

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