segunda-feira, 4 de março de 2002

Clássicos Purpendicular 4: Smoke on the Water

Baixei no Audiogalaxy e acabei de ouvir um pedaço da história do rock. Um pedaço da história do jazz. Um pedaço da história de Montreaux. É uma gravação pirata do mais famoso fim de show do Frank Zappa.

Bom, boa parte da turma aqui deve conhecer a música "Smoke on the water", do Deep Purple. Alguns dentro dessa boa parte devem saber que, além do "duh, duh, duh" do riff clássico, a música conta uma história real. Poucos, pouquíssimos, conhecem os detalhes da história - que nunca, até hoje, tinha sido escrita com tantos detalhes como esta que vocês estão lendo.

Em 4 de dezembro de 1971, o Deep Purple havia chegado a Montreaux com um caminhão de equipamentos dos Rolling Stones, para compor e gravar um disco de estúdio em condições de disco ao vivo. Eles usariam o palco do cassino local, depois de um show do Frank Zappa.

Frank Zappa, uma das figuras mais malucas da história do rock'n'roll, estava fazendo um show por lá com sua banda (os Mothers of Invention), e depois da apresentação o lugar seria todo do Deep Purple. O lugar estava cheio de gente. Zappa calculava algo entre 2500 e 3000 guris --"bem acima da capacidade do lugar". E tinha mais gente querendo entrar.

Mas só que o palco começou a pegar fogo antes do final da apresentação. Pelas memórias de Ian Gillan, "foi soberbo: um cara apareceu com um lança-chamas e atirou no teto". Há quem duvide dessa versão: como é que iam deixar alguém entrar com um lança-chamas? O próprio Roger Glover, que estava lá, admite que ninguém viu quem ou como foi. Mas tudo bem.

A energia do lugar é cortada. O pessoal começa a gritar "fogo, fogo!". Alguém da banda do Zappa (não ele) grita "Fogo! Arthur Brown, em pessoa!" (clique para saber o motivo). Zappa pede para as ladies and gentlemen saírem calmamente e em ordem. Todos estavam calmos. "É surpreendente como pessoas que falam só francês podem te entender bem quando é uma questão de vida ou morte", disse Zappa sobre o caso em sua biografia.

Um dos funcionários de Zappa pegou uma caixa de equipamento e quebrou uma janela grande para ajudar a escoar o pessoal. A banda escapou por um túnel subterrâneo, por trás do palco, que acabava em uma garagem. "Não havia pânico, exceto por algumas janelas quebradas e alguns guris presos no porão, felizmente resgatados por Claude", lembra Roger Glover, baixista do Deep Purple. Claude Nobs, que até hoje organiza o Festival de Jazz de Montreaux, era na época o administrador do cassino.

A coisa estava tão calma, no começo, que Glover até se deu ao luxo de aproveitar que não tinha ninguém por lá para verificar os sintetizadores, a novidade usada pelo Zappa --US$ 48 mil perdidos no fogo. Mas logo... "Dentro de minutos, o lugar estava um inferno, e eu não uso essa palavra em vão", afirma o baixista. As chamas alcançaram quase cem metros de altura, segundo a revista Circus. Pela manhã, o prédio não existia mais. Segundo Zappa, o prédio valia US$ 13 milhões. Todos os valores são da época; lembrem-se de que teve muita inflação aí no meio (até em dólar).



A fumaça foi vista no céu, sobre as águas do lago Genebra, por um bom tempo. "Estávamos sentados num bar-restaurante a um quarto de milha do Cassino, e ele estava em chamas. O vento descia as montanhas e levava a fumaça para cima do lago, e a fumaça parecia uma cortina sobre o lago", lembra Gillan. A visão era exatamente aquela que está no começo desta nota.

Destruído o lugar em que eles gravariam o disco que ficou conhecido como Machine Head, eles tentaram vários lugares para gravar até que encontraram um hotel abandonado e frio.

Um dia, o baixista Roger Glover acordou de manhã e disse algo como "sonhei com as palavras 'Smoke on the Water' (fumaça sobre a água)". Gillan teria respondido: "parece uma música sobre drogas; não vamos usar". Um quarto de século depois, Glover brincou: "Já que éramos uma banda devotamente de bêbados, deixamos de lado". Mas no final acabou passando. Foi a última letra a ser escrita, e nem foi pensada para ser o destaque. "Decidimos escrever sobre nossa experiência ao fazer o disco, e justificamos o título pensando na cortina de fumaça sobre o lago no dia em que o cassino foi destruído. Cada linha da letra é verdadeira", diz Glover.

A música que conta a história do cassino queimado virou o maior sucesso do Deep Purple, por acaso. Só em 1973 é que eles foram perceber o sucesso e tentar ganhar em cima, lançando um compacto tendo de um lado a versão de estúdio e do outro a versão ao vivo gravada no Japão em 1972. "Só sei que desde então eu sempre ouvi meus pensamentos aleatórios", escreveu Glover em 1996.

E quer saber duas dessas maluquices e coincidências da história do rock? Uma semana depois, Zappa quebrou a perna depois de levar um soco de um fã e cair. Gillan soube disso quando estava gravando "Smoke on the Water", e tanto na versão remixada dos 25 anos quanto no ao vivo que eles fizeram na BBC em 1972, Gillan grita "Break a leg, Frank!" perto do final da música. A segunda: foi exatamente num 4 de dezembro, 22 anos depois, que Frank Zappa morreu, de câncer na próstata.

Utilidade pública: no Audiogalaxy, a faixa que tem TODO o final do show do Zappa, com fogo e tudo, está com o nome "frank zappa - Wino Man, Sharleena, Cruisin For Burgers, King Kong, FIRE! and the crowd evacuates (Live Montreaux)". Para saber mais sobre a influência de Zappa fora do rock, clique aqui. Também achei um site com análises das letras dele.

O disco Machine Head foi relançado há alguns anos, em versão remasterizada e dupla (a segunda tem as mesmas músicas mas com algumas diferenças nos solos). Smoke on the Water é tocada em todos os shows do Deep Purple desde 1972, e conheço alguns malucos mais malucos que eu que têm mais de 30 versões da música. Eu tenho só 19, contando covers.

Um comentário:

  1. Anônimo11:53 PM

    Sou super fã do Zappa e realmente nunca vi esse fato tão bem relatado.

    Um abraço!

    Juliana M.

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