quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003

Coincidências

O grãde Leãdro falou outro dia da tremenda coincidência de acharem uma carrada de material inédito e original dos Beatles num espaço de poucos meses. Eu comentei que tinha pencas de material antigo e sumido do Deep Purple que andou aparecendo. Pois andou aparecendo mais coisa: acharam fitas originais de um show que eles fizeram no Olympia, em Paris, em novembro de 1970. A Deep Purple Appreciation Society está em cima para lançar. O show havia sido passado no rádio e o Simon Robinson conta que ficaram 18 meses procurando esse material.

Andei pensando no assunto, e não acho que haja tanta coincidência assim. Acho que tem a ver com o avanço da tecnologia. Vou me remeter, como sempre, ao exemplo do Deep Purple. Mas esqueçam que é o Purple e reparem no processo mercadológico e tecnológico disso.

Antes, no tempo do vinil e da fitinha, tinha que selecionar muito o que ia botar, porque o espaço era curto. Acabava sobrando uma porrada de coisas e muita coisa boa acabava indo pro lixo, sumindo em arquivos ou sendo apagada. Em 1968, o Deep Purple gravou um cover de Lay, Lady, Lay e um de Glory Road. Ambos foram apagados - como não gostaram do resultado e era caro o material de gravação para uma banda iniciante, resolveram gravar coisas em cima.

Depois que o CD virou o padrão, a indústria fonográfica passou dez anos lançando discos exatamente como lançava na época do vinil, talvez com músicas a mais. Quando relançava algum disco em CD, no máximo incluía uma ou duas músicas diferentes do que já havia. Lá por 1995 isso andou mudando. Como não acompanho outros grupos antigos, volto a me reportar ao Deep Purple.

Em 1995, foi lançada a edição comemorativa de 25 anos de In Rock. Além das faixas originais, ela incluía bate-papo de estúdio, galinhagens entre os participantes, músicas que não chegaram a fazer parte do vinil, solos não usados e etc. Em 1996 ou 1997, a indústria fonográfica lançou "Free as a Bird", uma música inédita dos Beatles que estava nas gavetas. Foi sucesso. No campo do Deep Purple, na esteira do In Rock vieram as remasterizações de Fireball, Machine Head, Who Do We Think We Are, dos três discos da primeira formação e depois do clássico Made in Japan. Todos também com belos encartes de 50 páginas contando a história da época, com fotos inéditas e tal.

Quem era fã e já tinha o original, mesmo que em CD, acabava comprando esses de novo. Eu tenho todos esses em vinil. Meu In Rock em vinil é da primeira impressão brasileira, de 1973. Um bolachão grosso, pesado. Mas é muito legal ouvir os caras do Purple galinhando enquanto compõem. Meu Machine Head eu ganhei do Roxette, por vias tortas. Mas a edição remasterizada, dupla, inclui um CD "what-if" - em que o Roger Glover remixou as músicas com solos e outras linhas instrumentais que não foram usados, e nesse disco hipotético o Gillan grita "Break a leg, Frank!" nos instrumentais finais de Smoke on the Water. Era uma galinhagem com o Frank Zappa, que uma semana depois de ver o cassino de Montreaux pegar fogo no meio de um show seu, levou uma rasteira de um fã em pleno palco e quebrou a perna. Tenho Burn em vinil e em CD, mas assim que sair o remasterizado vou acabar comprando.

Criou-se um mercado para isso. Se as antigas masters tinham valor quase só para colecionadores privados, elas relançadas em novos pacotes trariam um lucro sem tamanho para a indústria da música - que também enfrenta outros problemas sérios na parte da pirataria e distribuição. Novas tecnologias, como o DVD e DVD-A, e a convergência das formas diversas de aparelhos de entretenimento para um só eletrodoméstico (o computador), tornaram ainda mais atraente esse conteúdo. Junte isso a megaconglomerados tipo AOL-Time-Warner-Turner-DC Comics-Xis do Bigode, e voilà.

Não é por acaso que a Globo está direcionando toda sua operação eletrônica para venda de conteúdo (condicionando à do acesso). Não é muito por acaso que a Globo está revirando suas gavetas para lançar em DVD minisséries e compactos do Casseta e Planeta e do TV Pirata. O Deep Purple também andou lançando um DVD do Concerto para Grupo e Orquestra na versão de 1969, que estou louco pra comprar.

Para ter uma idéia do valor dessas coisas, o colecionador que tinha em casa o rolo de fita com o show do Deep Purple na Universidade de Hosfra, em Nova York, em 1973, cobrou uma fábula da produtora que fez o vídeo com o documentário sobre a gravação de Machine Head. Ah, é pra ser lançado em DVD também? O cara cobrou uma grana preta por minuto, e muito poucos minutos puderam ser usados.

Não é coincidência essa série de encontros fortuitos. É busca agressiva de mercado.

Não é a coincidência. É a convergência.

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