terça-feira, 9 de setembro de 2003

Clássicos Purpendicular: Hallellujah

CLÁSSICOS PURPENDICULAR: HALLELUJAH

Gently borrowed from the DPAS websiteHallelujah foi gravada na calada da noite, sorrateiramente, em 1969.

O Deep Purple já era uma banda mais ou menos estabelecida, ainda em sua primeira formação. Já tinha dois discos lançados (Shades of Deep Purple e The Book of Taliesyn) e um pronto pra lançar (Deep Purple). Já tinha emplacado um hit nos EUA (Hush) e já tinha ido ao Novo Mundo para abrir a última turnê do Cream.

Ocorre que o Jon Lord andava com umas idéias de puxar a banda prum lado mais clássico, mais jazzístico, enquanto o Ritchie Blackmore andava com umas idéias de puxar a banda prum lado mais pesado, mais de jam, e o Ian Paice topava todas. Lord, inclusive, já estava começando a compor o Concerto para Grupo e Orquestra, em que ninguém acreditava muito na época (coisa de hippie). O mínimo múltiplo comum disso tudo perigava ser interessante, mas eles consideravam que não tinham nem voz e nem baixo pra segurar essa sonzeira toda. Principalmente voz, e o cara também tinha que ter dons de composição.

É neste ponto que a história do Deep Purple entra num de seus pontos mais fascinantes. Não canso de ouvir piratarias dessa fase (1969). Em 4 de junho daquele ano, Ritchie Blackmore é convidado pelo cantor Mick Underwood (com quem tocou nos Outlaws) para assistir em Woodford Green a um show do Episode Six, uma banda sensacional dos anos 60 na qual Gillan cantava e Glover tocava baixo. Ian não andava muito contente com os rumos da banda, que parecia estar andando em círculos. Pensava em formar uma banda com Underwood e Glover quando o Purple apareceu, nas pessoas de Blackmore e Lord.

Blackmore e Gillan tocaram telefonemas, Ritchie inclusive subiu no palco com o Episode Six, e o estrago já estava feito.

Gently Borrowed from the DPAS"Desde o primeiro momento, os caras vieram com força; quer dizer, eles pareciam muito 'ricos', confiantes, bem-vestidos, com aquele cabelo bufante. Fiquei meio assim de ir ao encontro deles, e me preparei pegando emprestadas as melhores roupas de Roger Glover pra usar com algumas minhas, e comprei dez cigarros pra me ajudar a acalmar os nervos e pra oferecer pros outros, num gesto de amizade. Saí só com o dinheiro contado pra comprar os cigarros e voltar pra casa, e também estava com uma gripe do cão e o bolso cheio de lenços de papel. Aí nos encontramos, e minha primeira impressão daqueles caras estava certa. Tentei causar boa impressão oferecendo cigarros, e os lenços usados e úmidos caíram do meu bolso. Com a garganta e o nariz entupidos, eu me baixei pra juntar a bagunça toda, e todo mundo me olhando. Eu estava num momento ridículo, e mais adiante eu diria que me senti menor que uma formiga, mais sujo que um pedaço de merda de cachorro e querendo ser mais invisível que a menor parte do universo. Mas eles foram gente finíssima e me ajudaram na organização. Falamos de rock'n'roll e me ofereceram o emprego", diz o Gillan em sua biografia.

Gillan foi falar com Gloria Bristow, a empresária do E6, avisando que ia trocar de emprego mas ia cumprir o calendário do grupo original.

Três dias depois, Blackmore, Lord e Paice se encontram furtivamente com Gillan, que trouxe seu amigo Glover, no estúdio De Lane Lea, em Kingsway, Londres.

Naquele dia 7, alguém puxou uma partitura inédita de Roger Greenaway e Roger Cooke. Ian já conhecia o trabalho da dupla de compositores, porque o Episode Six tocara "Something's Gotten Hold of My Heart" na BBC quatro dias antes, e então soltou o gogó:

I am a preacher, with a message for my people
Over the world, scratching beyond the ground
Looking for the peace that nobody has found
I am a spokesman, for a better way of living
Love is the word, and it can be heard
If you are young the message can be sung
Let me hear you sing..

Hallelujah, Hallelujah, Hallelujah

Oh tell it to the man who's power is the sermon on the wall
Tell it to the man, the Jew, who says you can't misjudge them all
Tell it 'till it can be heard above the wailing of the crowd
Tell it on the field of war and hope you'll soon be justified
There is a better way of life and it's not so hard to find
If you live and let the people in your world speak its mind

I am the pupil, who sells his life for freedom
All over the world, and it can be heard
If you are young the message can be sung

Hallelujah, Hallelujah, Hallelujah


Foi a gravação terminar e o Jon Lord ofereceu o emprego para os dois novos membros. A música, que nunca seria tocada ao vivo pelo Purple, foi lançada num single, ao lado de um pedaço instrumental de April (uma longa composição em três fases do terceiro disco). No dia 2 de agosto, em Bremen (Alemanha), seria gravado o vídeo de Hallellujah que saiu há pouco no Brasil em um DVD.

Ian e Roger acharam a escolha da música completamente bizarra. Quase tanto quanto os cabelos dos caras do Purple - aqueles penteados altos, que pareciam ter sido moldados com um balde sobre a cabeça.

Quando foi feita a gravação de Hallellujah no estúdio, nem The Book of Taliesyn havia saído na Inglaterra. Isso foi no dia 7, e apenas no dia 24 de junho iria ao ar a última sessão ao vivo da Mark 1, na BBC. Desde o dia 16, porém, a nova formação do Deep Purple já ensaiava no Hanwell Community Centre, mas as duas bandas - Purple e E6 - faziam suas últimas apresentações com as formações pré-Purple Mk 2. Perdendo dois importantes membros, o E6 acabaria indo pras cucuias.

Nick Simper só soube do que estava ocorrendo quando leu seu nome na edição européia do New York Times. Numa reunião no escritório da HEC (os empresários do Deep Purple), ele e Rod Evans souberam que tinham levado um pé na bunda. Evans resolveu casar com uma americana, mudar-se para os EUA e começar a banda Captain Beyond. Simper ficou puto e processou o Purple. Pouco tempo depois, fundaria o Warhorse.

Gently borrowed from the DPASNo dia 10 de julho seria a grande estréia do novo grupo, no Speakeasy Club. A única gravação ao vivo que se tem desses primeiros dias é a de Amsterdam, do dia 24. Uma apresentação imensamente enérgica, muito mais do que o que se tem registrado da primeira fase do Purple. O single de Hallellujah com April Part 1 saiu ainda naquele mês, mas não chegou às paradas. Aquela formação ainda atrairia atenção com o Concerto antes de chegar às paradas com o single de Black Night, no ano seguinte.

Muitos fãs ficaram confusos na época com isso, especialmente no Concerto, apresentado em setembro no Royal Albert Hall - ué, aquele cantor não é o que está no disco que tinha acabado de chegar às lojas (Deep Purple)? Não, não era.

Hallellujah hoje pode ser encontrada mais facilmente em Singles As & Bs - tanto no vinil de 1978 quanto no CD de 1993. A música tem alguns covers bem interessantes. O mais famoso é o do Blind Guardian. Mas já em 1970 foi gravada na Alemanha pelo grupo People, e em 1991 o grupo Derek Lawrence Statement fez a sua versão. Derek Lawrence, diga-se, era produtor do Deep Purple até 69.

Quer saber mais sobre aqueles wild days? Segue o roteiro do Ian Gillan pra decifrar a letra da música "69", do Abandon. Sim, não tinha nada a ver com boca naquilo e aquilo na boca.

Nenhum comentário:

Postar um comentário